segunda-feira, 31 de outubro de 2016

NÃO HÁ SANGUE NAS MÃOS DE ANA JÚLIA. E NAS SUAS?

Clareza, concisão e objetividade estão entre os principais ingredientes que devem ser utilizados na execução de um bom discurso. Se o orador conseguir acrescentar a essa lista uma boa pitada de emoção, bingo! O efeito está garantido. O público lhe dedicará toda a atenção e, a partir daí você poderá conduzi-lo da mesma maneira que um maestro conduz uma orquestra.

Em tempos de mediocridade explícita, quase não se vê mais grandes oradores. Isso talvez ocorra, pelo o baixíssimo nível daqueles que têm ao seu alcance câmeras e microfones; aliados ao sofrível nível de compreensão daqueles que se constituem enquanto público. Outra possibilidade pode estar no vazio e na falta de crença daquilo que se diz. No entanto, quando se fala direto do coração, a partir daquilo que se sente e se vivencia, as palavras, mesmo feito lâminas, feito facas; saem suavemente e, certeiras, costumam sempre encontrar o alvo.

No dia 26 de outubro de 2016, muitas das pessoas que têm a consciência de que nada mais se pode esperar do Brasil, enquanto estiver sob o manto da desfaçatez, do arbítrio e da ilegitimidade política; podem ter mudado de ideia e ter tomado para si um sopro de vida e determinação. É que nesse dia, repercutiu na web o discurso que a aluna Ana Júlia, de apenas 16 anos, proferiu na sessão plenária da Assembléia Legislativa do Paraná.

A garota havia sido convidada para falar das razões que obrigaram centenas de estudantes a ocupar inúmeras escolas públicas naquele Estado. Como se trata de um movimento pacífico, que se opõe às políticas de extermínio da educação, da saúde e da cultura dos menos favorecidos; os grandes veículos de mídia, em vez de mostrarem os fatos, tratam de denegrir e atacar os estudantes por meio do velho jornalismozinho rasteiro de guerra, pois, para os coronéis que dominam as comunicações no país, se você não apoiou o golpe parlamentar de 2016, você é provavelmente um black bloc, um  comunista ou um petralha bolivariano gayzista.

E Ana Júlia foi até a Assembléia. Tal qual um Daniel, enfrentou com voz trêmula, mas com palavras “só lâmina”, os “leões” que tentavam, com seus olhares de reprovação, intimidá-la. Mas, dona de um discurso todo pautado naquilo que vivencia, falou de peito aberto, com o coração. Ana Júlia endureceu, sim, mas sem, em momento algum, perder a ternura. Enquanto alguns “artistas” e alguns “professores universitários” se danam a falar baboseiras, demonstrando seu “notório saber” em estupidez, ignorância e ódio; Ana Júlia, do alto da sua simplicidade e conhecimento expôs as chagas da metástase que corrói as entranhas do país.

Pelo que me consta, Ana Júlia não usou o crachá de ninguém para comer de graça na Assembléia. Ana Júlia não precisou delatar ninguém, a não ser a nossa própria ignorância enquanto povo. Ana Júlia não recebeu 45 mil Reais para empurrar seu país  para a fossa. Ana Júlia não se vendeu para aparecer na televisão golpista. E, cá entre nós, Ana Júlia merecia uma música, mas Ana Júlia é grande demais para caber numa letra de uma música “boba” qualquer.

Ana Júlia tem apenas 16 anos e sua preocupação mais urgente é com as gerações futuras, com a sociedade, com o futuro do Brasil. Ana Júlia não é doutrinada e considera isso um insulto aos estudantes e aos professores. Eles que são insultados todos os dias, independentemente dos governos que se sucedem no poder. Se assim não o fosse, Ana Júlia nem teria que estar em uma escola ocupada, nem dando explicações a parlamentares que, ao final da sua fala, na quarta-feira,  tomarão seus jatinhos na quinta e voarão para suas “bases”, enquanto Ana Júlia ainda terá que chorar a morte do amigo Lucas, e estudar para o ENEM, que já está batendo na porta. Ana Júlia é Sísifo. Ana Júlia é apenas uma garota. Uma garota enorme. Uma rocha. Ana Júlia é personagem de um Brasil que não vira novela.

E, na mediocridade autoritária que é peculiar àqueles que nada sabem sobre o valor da liberdade, ainda ameaçaram censurar Ana Júlia. Coitados, coitados! Eles, Ana Júlia, são muitos. Mas, como diz o poeta: “não podem voar”.

No dia 26 de outubro de 2016, em dez minutos, Ana Júlia proporcionou ao Brasil uma aula histórica de democracia e cidadania. Muitos entenderam.  Alguns vestiram a carapuça. Outros fizeram ouvido de mercador. E milhares apenas replicaram nas redes sociais.

Seja como for, as palavras de Ana Júlia reverberarão em nossos ouvidos por muitos e muitos anos, enquanto houver sol. 

Ana Júlia segue. Não há sangue em suas mãos. E nas suas?

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O discurso de Ana Júlia sobre a PEC 241 na Assembleia Legislativa do Paraná > https://www.youtube.com/watch?v=pUQLs9y_fx4

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