domingo, 23 de outubro de 2016

DE OLHOS ABERTOS LHE DIREI, SOLO DE RICARDO GUILHERME

Tudo começa com um áudio. Há uma entrevista. As perguntas se dão. Belchior as responde com a delicadeza e a erudição que lhe são peculiares. Mesmo não estando fisicamente presente, Belchior está lá em cada uma daquelas pessoas que foram até o CCBN, em Fortaleza, para homenageá-lo. O “teatro” do CCBN não apraz. É, na verdade, um improviso daquilo que poderia ser um teatro em um centro cultural mantido por um banco que tem dinheiro a dar com um rodo. Contudo, determinadas coisas são assim, maquiadas para parecer o que não são. E isso um dia mudará? Se Godot aparecer, quem sabe!

Gelo seco. Luzes. A “entidade” Ricardo Guilherme está no palco. Daí por diante esquecemos o restante e nos focamos no “homem-cena”, ali, para encenar De olhos abertos lhe direi, solo estruturado a partir da obra poética do compositor cearense Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, ou, apenas Belchior. O monólogo de Ricardo Guilherme faz parte de uma série de homenagens pelos setenta anos do autor de “Alucinação”, e está inserido no projeto Belchior sete zero, idealizado por Ricardo Kelmer. Constam ainda das homenagens, rodas de conversas sobre o autor e sua obra, bem como o lançamento do livro Para Belchior com amor (2016), organizado pelo próprio Kelmer, com a participação de vários autores, os quais escreveram seus textos a partir de canções do poeta sobralense.

A entrevista continua por toda a peça, a qual dura por volta de cinquenta minutos. No decorrer da encenação, Guilherme interage com as respostas dadas pelo entrevistado e amplia, questiona, reflete e improvisa em cima daquilo que estamos ouvindo; fazendo com que as vozes (por que não dizer os discursos) de ambos se coadunem e se complementem simbionticamente, tornando-se a mesma voz a discorrer sobre esse desespero que tem sido moda/foda de 1976 até 2016.

 Os recursos são limitados: um microfone, uma mochila, um par de óculos escuros, uma jaqueta jeans e três camisetas. Pode parecer pouco, quase nada. E é muito pouco, quase nada. Devemos compreender, no entanto, a proposta “andarilha” do projeto, o qual tem sido levado não apenas para diversos pontos da cidade de Fortaleza, bem como para cidades no interior do Ceará e, como sabemos, sempre costuma faltar apoio para a cultura. Logo, é esse “menos”, que Ricardo Guilherme transforma em “mais”, a partir da sua verve de ator competentemente grande e radical.

De olhos abertos lhe direi é, assim, uma oportunidade imperdível de ver o “monstro” Ricardo Guilherme no palco, assim como se deliciar com as canções de um dos nossos poetas maiores, quando se comemoram seus setenta anos “de sonho e de sangue e de América do Sul” e de sua imensurável contribuição poética à cultura brasileira. O solo de Ricardo Guilherme está andando por aí, mas este blog não tem como afirmar até quando ficará em cartaz. Assim, a quem interessar possa, é bom correr e achar um cantinho para vê-lo. E mesmo que o espaço não seja dos melhores, a atuação vale cada minuto.

Em tempo: Re(volta), Belchior!

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Entrevista completa na qual Belchior fala de sua obra na Rádio Universitária em 1982


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