
A Academia sueca poderia ter dito “qualquer coisa”, como justificativa para premiar Dylan, pois tudo o que pudesse dizer resvalaria na constatação do óbvio, uma vez que a obra de Bob Dylan ultrapassa o campo meramente musical, se espalhando pelo campo da literatura propriamente dita. Em outras palavras, é simplório conceber as letras do referido artista como “letras”, simplesmente, pois Bob Dylan é, na verdade, um dos mais relevantes poetas do século XX, destilando sua poesia por meio da canção. Dessa maneira, assim como Chico Buarque e Belchior, Bob Dylan rompe os limites dos gêneros literários, produzindo letras que são menos letras, e mais poemas.
É claro que alguns pesquisadores, engessados que estão (ou “que são”?), ainda não conseguem (ou não querem) compreender as relações que se dão entre a música e a poesia. Para muitos, são coisas que não se pode misturar; sequer aproximar, tendo em vista letra de música ser algo que se encontra em um plano muito inferior ao da poesia. Dessa forma, a premiação de Bob Dylan vem mexer com posicionamentos antigos, sólidos e conservadores a esse respeito. De 2016 em diante, contudo, uma nova maneira de se conceber a poesia passa a ser indispensável, uma vez que Bob Dylan está agora, oficialmente, ao lado de T.S. Eliot, Yeats e Wislawa Szymborska; por exemplo.

Ao optar por premiar Dylan, a Academia acaba por premiar indiretamente todos os trovadores, repentistas, folk singers, professores e artistas que têm insistido na luta em defesa de uma cultura que possa ser cada vez mais abrangente e inclusiva, independentemente de língua, rótulo ou gênero.
O Nobel para Bob Dylan acaba também por ser uma premiação aos poetas da Geração Beat, aos heróis conhecidos e anônimos da década de 60 e, especialmente, ao poeta e ativista Woody Guthrie, sem o qual, possivelmente, Robert Zimmerman não teria se tornado Bob Dylan.
O prêmio Nobel para Bob Dylan “demorô”, mas veio. Com ele, o mestre de “Blowin in the Wind” e “The times they are a changing” coroa uma carreira de sucesso, ativismo e poesia que dificilmente veremos surgir nos próximos cem anos. Por essas e outras razões, nos alegramos por Bob Dylan, pois descobrimos, baby Blue, que nem tudo está perdido.
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