Clareza, concisão e
objetividade estão entre os principais ingredientes que devem ser utilizados na
execução de um bom discurso. Se o orador conseguir acrescentar a essa lista uma
boa pitada de emoção, bingo! O efeito está garantido. O público lhe dedicará
toda a atenção e, a partir daí você poderá conduzi-lo da mesma maneira que um
maestro conduz uma orquestra.
Em tempos de mediocridade
explícita, quase não se vê mais grandes oradores. Isso talvez ocorra, pelo o baixíssimo
nível daqueles que têm ao seu alcance câmeras e microfones; aliados ao sofrível
nível de compreensão daqueles que se constituem enquanto público. Outra
possibilidade pode estar no vazio e na falta de crença daquilo que se diz. No
entanto, quando se fala direto do coração, a partir daquilo que se sente e se
vivencia, as palavras, mesmo feito lâminas, feito facas; saem suavemente e,
certeiras, costumam sempre encontrar o alvo.
No dia 26 de outubro de
2016, muitas das pessoas que têm a consciência de que nada mais se pode esperar
do Brasil, enquanto estiver sob o manto da desfaçatez, do arbítrio e da
ilegitimidade política; podem ter mudado de ideia e ter tomado para si um sopro
de vida e determinação. É que nesse dia, repercutiu na web o discurso que a
aluna Ana Júlia, de apenas 16 anos, proferiu na sessão plenária da Assembléia
Legislativa do Paraná.
A garota havia sido
convidada para falar das razões que obrigaram centenas de estudantes a ocupar
inúmeras escolas públicas naquele Estado. Como se trata de um movimento
pacífico, que se opõe às políticas de extermínio da educação, da saúde e da
cultura dos menos favorecidos; os grandes veículos de mídia, em vez de
mostrarem os fatos, tratam de denegrir e atacar os estudantes por meio do velho jornalismozinho rasteiro de guerra, pois, para os coronéis que dominam as
comunicações no país, se você não apoiou o golpe parlamentar de 2016, você é
provavelmente um black bloc, um comunista ou um petralha bolivariano gayzista.
E Ana Júlia foi até a
Assembléia. Tal qual um Daniel, enfrentou com voz trêmula, mas com palavras “só
lâmina”, os “leões” que tentavam, com seus olhares de reprovação, intimidá-la.
Mas, dona de um discurso todo pautado naquilo que vivencia, falou de peito
aberto, com o coração. Ana Júlia endureceu, sim, mas sem, em momento algum,
perder a ternura. Enquanto alguns “artistas” e alguns “professores universitários”
se danam a falar baboseiras, demonstrando seu “notório saber” em estupidez,
ignorância e ódio; Ana Júlia, do alto da sua simplicidade e conhecimento expôs
as chagas da metástase que corrói as entranhas do país.
Pelo que me consta, Ana
Júlia não usou o crachá de ninguém para comer de graça na Assembléia. Ana Júlia
não precisou delatar ninguém, a não ser a nossa própria ignorância enquanto
povo. Ana Júlia não recebeu 45 mil Reais para empurrar seu país para a
fossa. Ana Júlia não se vendeu para aparecer na televisão golpista. E, cá entre
nós, Ana Júlia merecia uma música, mas Ana Júlia é grande demais para caber
numa letra de uma música “boba” qualquer.
Ana Júlia tem apenas 16 anos
e sua preocupação mais urgente é com as gerações futuras, com a sociedade, com o futuro do
Brasil. Ana Júlia não é doutrinada e considera isso um insulto aos estudantes e
aos professores. Eles que são insultados todos os dias, independentemente dos
governos que se sucedem no poder. Se assim não o fosse, Ana Júlia nem teria que
estar em uma escola ocupada, nem dando explicações a parlamentares que, ao
final da sua fala, na quarta-feira, tomarão seus jatinhos
na quinta e voarão para suas “bases”, enquanto Ana Júlia ainda terá que
chorar a morte do amigo Lucas, e estudar para o ENEM, que já está batendo na
porta. Ana Júlia é Sísifo. Ana Júlia é apenas uma garota. Uma garota enorme.
Uma rocha. Ana Júlia é personagem de um Brasil que não vira novela.
E, na mediocridade
autoritária que é peculiar àqueles que nada sabem sobre o valor da liberdade, ainda
ameaçaram censurar Ana Júlia. Coitados, coitados! Eles, Ana Júlia, são muitos.
Mas, como diz o poeta: “não podem voar”.
No dia 26 de outubro de
2016, em dez minutos, Ana Júlia proporcionou ao Brasil uma aula histórica de
democracia e cidadania. Muitos entenderam. Alguns vestiram a carapuça. Outros fizeram ouvido
de mercador. E milhares apenas replicaram nas redes sociais.
Seja como for, as palavras
de Ana Júlia reverberarão em nossos ouvidos por muitos e muitos anos, enquanto
houver sol.
Ana Júlia segue. Não há sangue em suas mãos. E nas suas?
Ana Júlia segue. Não há sangue em suas mãos. E nas suas?
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O discurso de Ana Júlia sobre a PEC 241 na Assembleia Legislativa do Paraná > https://www.youtube.com/watch?v=pUQLs9y_fx4