terça-feira, 19 de maio de 2020

Sobre belos e malditos




Os números continuam aumentando. Os jornais contam casos e cadáveres. As ruas começaram a ficar desertas. Profissionais da saúde correm contra o tempo. Muitos estão morrendo. Na solidão do isolamento releio “A borboleta e o tanque”, de Hemingway. A intolerância que conduz a narrativa angustia. Faz tempo perdemos nossa humanidade, penso. Sobre a pandemia, as piadas e os memes já começam a desaparecer. Triste, a alegria se recolhe. Por quanto tempo ficará reclusa? Sabe-se lá.

Hoje ouvimos música e vestimos nossa filha de bailarina. Ao entretê-la, lembrei daquele pai que, na Síria, em meio a bombardeios diários, ria de cada bomba  que caia, fazendo sua filha se divertir e esquecer o terror que ocorria (ainda ocorre) ali. Apenas lembro, pois qualquer tentativa de comparação seria impossível. Ambos, pai e filha , conseguiram sair do inferno e foram recebidos pela Turquia.




As bobagens que a Internet traz acabam por tornar nossos dias mais leves. Temos rido muito. E isso é muito bom, pois espanta os males e as dores, como quando cantamos. Por outro lado, a Internet também nos traz as piores notícias do mundo. Tais notícias adoecem nossos corações e nossas mentes. Porém, não há como ignorá-las. E assim, vamos lendo sobre aqueles que salvam vidas, bem como aqueles que  ajudam aos mais necessitados. A esses, chamo de belos. Do outro lado, há aqueles que não demonstram nenhuma empatia pelo próximo, querem, não importa como, abrir suas lojas e lucrar, lucrar e lucrar. São os malditos. Será que um dia esse país terá alguma decência? Ainda há rosas capazes de florescer no asfalto?

Como país, seguimos à deriva. Há doentes e mortos. Há polícia e tiroteio na favela, onde deveria haver médicos e dignidade. Um menino foi morto pela polícia, que sequestrou seu corpo. Em meio a tanto caos, a morte de uma criança dilacera o coração de qualquer pessoa que ainda não se permitiu bestializar-se. João Pedro era um menino negro, belo. João Pedro entrou para as estatísticas como mais um menino negro assassinado pela polícia (God damn it!) que é paga para servir e proteger. 

O Brasil está à deriva. Não há projetos que objetivem melhorias para a população. Há projetos pessoais de poder. Há o avanço do fascismo. Ao Coronavírus, isso pouco interessa. A morte bate à porta. Todo dia o Brasil é morto por um tiro de fuzil. E assim, seguimos abrindo covas e mais covas até que consigamos, um dia, abrir uma tão grande que caiba o Brasil e possamos, finalmente, descansar em paz.


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