Conhecemos pessoas com
nomes comuns, diferentes, extraordinários. Muitos desses nomes podem não
significar nada para uns. Para outros, no entanto, são nomes especiais. E o são
por conterem em si uma carga significativa de memórias e afetos, que são
acionados sempre que dizemos e/ou ouvimos tais nomes. Um nome, ao ser
substituído por um número, desumaniza, pois apaga uma identidade, objetificando o
nomeado. Os líderes totalitários sabem muito bem disso. E assim, sempre que a mão
pesada da repressão cai sobre seus opositores, o primeiro ato é desumanizá-los,
apagando-se o nome, a identidade.
Em Romeu e Julieta, peça escrita por William Shakespeare (1564 – 1616)
entre 1591 e 1595, tem-se a história trágica do amor entre Romeu, filho de
Montéquio, e Julieta, filha de Capuleto. Por serem filhos de famílias rivais,
Romeu e Julieta não podem consolidar o amor que sentem um pelo outro. Neste
caso, os nomes das famílias, que trazem em si um histórico de disputas,
traições e tragédias, pesam sobre as decisões e o destino do jovem casal. No
segundo ato, cena II, há uma das mais belas passagens sobre o peso que um nome
impõe àqueles que o carregam. E assim, em diálogo com Romeu, Julieta
pergunta: “o que significa um nome? Aquilo a que chamamos rosa, com qualquer
outro nome teria o mesmo doce perfume. E Romeu também, mesmo que não se
chamasse Romeu, ainda assim teria a mesma amada perfeição que lhe é própria
(...)”. O trecho citado consta da tradução de Beatriz Viegas-Faria, para a reimpressão
de Romeu e Julieta, da Coleção
L&PM POCKET, de 2010.
O “caso” Romeu e Julieta é específico e pertence
a um contexto não menos específico, ou seja, tem-se o contexto da rivalidade
entre famílias. Na vida real, no entanto, as coisas não funcionam bem assim,
tendo em vista a carga semântica que cada nome possui. As memórias que acesso
quando falo ou escuto os nomes Clarice, Geórgia e Tarsila pertencem ao meu
universo particular, às minhas histórias e memórias de vida, as quais me são
extremamente importantes. Substituir esses nomes por outros implicaria no
apagamento de tudo aquilo que me constitui como um ser humano intimamente
ligado a cada um deles. Em síntese, estaria apagando parte da minha identidade.
Penso no que significa um
nome, quando leio nos jornais que na próxima semana teremos, conforme o
Ministro da Saúde, por volta de mil mortos por dia, o que daria,
considerando-se as subnotificações, aproximadamente dez mil mortos já na
primeira semana de maio, vítimas da pandemia do Coronavírus. Esses dez mil
mortos não terão direito a um nome na lápide. Terão apenas um ou outro membro da
família a dar-lhes o último adeus. Umas flores talvez. Serão enterrados em
caixões lacrados, junto a outros corpos, em uma vala coletiva. Serão não mais
que números para o Estado. E números, o que são? Mas continuarão sendo nomes
para aqueles com quem conviveram e amaram.
Os tempos são difíceis.
Não há luz no horizonte. Mas é preciso continuar em frente. Sobre isso,
Antígona, personagem de mesmo nome na peça de Sófocles (496 a.C – 406 a.C) pode
nos servir de farol. Na apresentação da reimpressão de Antígona para a Coleção
L&PM POCKET, de 2010, Donaldo Schüler, o tradutor, nos diz:
Antígona é uma peça de fortes contrastes.
Onde convocar forças para derrubar o tirano quando cidadãos respeitáveis calam?
Sófocles coloca uma mulher sem partidários, sem exército, sem nada. Antígona
abala a tirania sozinha. E isso numa
sociedade em que a vida pública era de exclusiva competência masculina. O homem
é terrível (deinós), dirá o coro.
Preserve-se a ambiguidade. O homem é terrível no crime e na virtude, em altos
pensamentos e atitudes intempestivas, na opressão e na luta pela liberdade.
Antígona morre? Morre! Morre como poucos. Morre para dignificar todos os
que em todas as épocas atacam a
injustiça. Não há tormento maior do que
viver como Creonte, o tirano – entre ruínas espalhadas pelos seus desatinos. Antígona é uma aventura de lealdade,
dignidade, linguagem e vida. (SCHÜLER, 2010:5)
É tempo de desafiar o tirano Creonte e seguir o exemplo de Antígona.
Que não nos demoremos!
Que não nos demoremos!
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