domingo, 3 de maio de 2020

O que significa um nome?



Conhecemos pessoas com nomes comuns, diferentes, extraordinários. Muitos desses nomes podem não significar nada para uns. Para outros, no entanto, são nomes especiais. E o são por conterem em si uma carga significativa de memórias e afetos, que são acionados sempre que dizemos e/ou ouvimos tais nomes. Um nome, ao ser substituído por um número, desumaniza, pois apaga uma identidade, objetificando o nomeado. Os líderes totalitários sabem muito bem disso. E assim, sempre que a mão pesada da repressão cai sobre seus opositores, o primeiro ato é desumanizá-los, apagando-se o nome, a identidade.

Em Romeu e Julieta, peça escrita por William Shakespeare (1564 – 1616) entre 1591 e 1595, tem-se a história trágica do amor entre Romeu, filho de Montéquio, e Julieta, filha de Capuleto. Por serem filhos de famílias rivais, Romeu e Julieta não podem consolidar o amor que sentem um pelo outro. Neste caso, os nomes das famílias, que trazem em si um histórico de disputas, traições e tragédias, pesam sobre as decisões e o destino do jovem casal. No segundo ato, cena II, há uma das mais belas passagens sobre o peso que um nome impõe àqueles que o carregam. E assim, em diálogo com Romeu, Julieta pergunta: “o que significa um nome? Aquilo a que chamamos rosa, com qualquer outro nome teria o mesmo doce perfume. E Romeu também, mesmo que não se chamasse Romeu, ainda assim teria a mesma amada perfeição que lhe é própria (...)”. O trecho citado consta da tradução de Beatriz Viegas-Faria, para a reimpressão de Romeu e Julieta, da Coleção L&PM POCKET, de 2010.

O “caso” Romeu e Julieta é específico e pertence a um contexto não menos específico, ou seja, tem-se o contexto da rivalidade entre famílias. Na vida real, no entanto, as coisas não funcionam bem assim, tendo em vista a carga semântica que cada nome possui. As memórias que acesso quando falo ou escuto os nomes Clarice, Geórgia e Tarsila pertencem ao meu universo particular, às minhas histórias e memórias de vida, as quais me são extremamente importantes. Substituir esses nomes por outros implicaria no apagamento de tudo aquilo que me constitui como um ser humano intimamente ligado a cada um deles. Em síntese, estaria apagando parte da minha identidade.


Penso no que significa um nome, quando leio nos jornais que na próxima semana teremos, conforme o Ministro da Saúde, por volta de mil mortos por dia, o que daria, considerando-se as subnotificações, aproximadamente dez mil mortos já na primeira semana de maio, vítimas da pandemia do Coronavírus. Esses dez mil mortos não terão direito a um nome na lápide. Terão apenas um ou outro membro da família a dar-lhes o último adeus. Umas flores talvez. Serão enterrados em caixões lacrados, junto a outros corpos, em uma vala coletiva. Serão não mais que números para o Estado. E números, o que são? Mas continuarão sendo nomes para aqueles com quem conviveram e amaram.

Os tempos são difíceis. Não há luz no horizonte. Mas é preciso continuar em frente. Sobre isso, Antígona, personagem de mesmo nome na peça de Sófocles (496 a.C – 406 a.C) pode nos servir de farol. Na apresentação da reimpressão de Antígona para  a Coleção L&PM POCKET, de 2010, Donaldo Schüler, o tradutor, nos diz:

Antígona é uma peça de fortes contrastes. Onde convocar forças para derrubar o tirano quando cidadãos respeitáveis calam? Sófocles coloca uma mulher sem partidários, sem exército, sem nada. Antígona abala a tirania sozinha. E isso  numa sociedade em que a vida pública era de exclusiva competência masculina. O homem é terrível (deinós), dirá o coro. Preserve-se a ambiguidade. O homem é terrível no crime e na virtude, em altos pensamentos e atitudes intempestivas, na opressão e na luta pela liberdade. Antígona morre? Morre! Morre como poucos. Morre para dignificar todos os que  em todas as épocas atacam a injustiça. Não há tormento  maior do que viver como Creonte, o tirano – entre ruínas espalhadas pelos seus desatinos. Antígona é uma aventura de lealdade, dignidade, linguagem e vida. (SCHÜLER, 2010:5)


É tempo de desafiar o tirano Creonte e seguir o exemplo de Antígona. 

Que não nos demoremos!


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