sábado, 23 de maio de 2020

A vida em lockdown




Já são mais de sessenta dias sem sair de casa. Agora há um lockdown, que pouca gente respeita. Muitos nem sabem o que se pretende com isso. Estamos praticamente no pico da pandemia e há gente fazendo carreata, churrasco e indo à praia. Já são, no momento em que escrevo, mais de vinte mil mortos no país. No momento em que escrevo, também temos um presidente completamente alheio ao caos que impera por aqui. Não temos ministro da saúde e os hospitais estão lotados.

Quando uma situação pela qual passamos surge, há muito pouco a se fazer, a não ser acreditar na Ciência e nos cientistas. No caso do Coronavírus, a forma mais eficaz de impedir a propagação é o isolamento. O ar está contaminado. O vírus não escolhe suas vítimas, embora os pobres, pretos e periféricos morram aos montes sem que lhe permitam o mínimo de dignidade. Há, no Brasil, um genocídio em progresso, com os mais vulneráveis entregues à própria sorte. Em meio à matança, tem muita gente lucrando com respiradores e EPIs, comprados sem licitação, ou seja, lucrando com a morte. Surpresa? Nenhuma. O Brasil, como vaticinou o poeta, não é para amadores.



Enquanto o mundo inteiro se une no combate à pandemia, o presidente brasileiro e mais três outros líderes, conforme noticiou o jornal britânico Financial Times, ficam à parte, isolados e alheios às decisões que visam impedir a disseminação do vírus. Além do presidente brasileiro, completam o grupo de negacionistas Daniel Ortega, da Nicarágua, Alexander Lukashenko, de Belarus e Gurbanguly Berdymukhamedov, do Turcomenistão. Por razões óbvias, esse grupo foi denominado pelo professor Oliver Stuenkel, da FGV, de “Aliança do Avestruz”. Melhor denominação, impossível.

Em meio a orientações e determinações de lockdown feitas pelos governadores, o governo federal faz cara de paisagem e, a olhos vistos, incentiva a desobediência às leis de isolamento. Como resultado de tamanha irresponsabilidade, a sanha da elite financeira força a abertura do comércio, enquanto canalhas travestidos de pastores abrem igrejas e vendem sementes milagrosas que “curam” da Covid-19. E o vírus se espalha.  Homens, mulheres e crianças ocupam os parques e shopping centers. Na calada da noite, dizem, há orgias. Sabe-se lá. E o vírus se espalha. No mais íntimo de nós, há o medo de que jamais possamos abraçar aqueles a quem amamos. Tal possibilidade nos adoece e nos fere de dor, pânico e quase  morte. É preciso, no entanto, nos mantermos unidos e fortes, apesar das perdas. A mente precisa estar sã. Caso contrário, sucumbiremos.

O desrespeito pela natureza, certamente contribuiu para estarmos onde estamos. Para o infectologista Oriol Mitjá: “a epidemia do Coronavírus era evitável”. E acrescenta, afirmando que é evitável 90% ou mais dos males que temos causado ao planeta, a nós mesmos e ao próximo. Até quando? Até onde iremos? Há a possibilidade de que saiamos mais solidários e mais prudentes dessa pandemia. Também é possível que não aprendamos absolutamente nada, e continuemos errando ad infinitum. Há gente na rua. Há bares com portas semicerradas, como se o vírus pudesse ser enganado. Há a estupidez humana. Há a desonra do ser humano, o descaso pela vida do próximo.

Em meio ao isolamento, leio a poesia de Nicanor Parra, escuto música e escrevo uma linha ou outra. Há barulho na rua. Alguém poda uma árvore. Sorrio com o sorriso da minha filha mais nova. Não posso abraçar a mais velha, que está distante. As chamadas de vídeo diminuem um pouco a saudade, mas não as tristezas.

Tentamos nos manter ocupados. Mas queríamos mesmo era estar livres e poder sair para ver o mar, esse enorme senhor das grandes batalhas. Aguardemos.

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