Já são mais de sessenta
dias sem sair de casa. Agora há um lockdown,
que pouca gente respeita. Muitos nem sabem o que se pretende com isso. Estamos
praticamente no pico da pandemia e há gente fazendo carreata, churrasco e indo
à praia. Já são, no momento em que escrevo, mais de vinte mil mortos no país.
No momento em que escrevo, também temos um presidente completamente alheio ao
caos que impera por aqui. Não temos ministro da saúde e os hospitais estão
lotados.
Quando uma situação pela qual passamos surge, há muito pouco a se fazer, a não ser acreditar na
Ciência e nos cientistas. No caso do Coronavírus, a forma mais eficaz de impedir a propagação é o isolamento. O ar está
contaminado. O vírus não escolhe suas vítimas, embora os pobres, pretos e
periféricos morram aos montes sem que lhe permitam o mínimo de dignidade. Há,
no Brasil, um genocídio em progresso, com os mais vulneráveis entregues à
própria sorte. Em meio à matança, tem muita gente lucrando com respiradores e
EPIs, comprados sem licitação, ou seja, lucrando com a morte. Surpresa?
Nenhuma. O Brasil, como vaticinou o poeta, não é para amadores.
Enquanto o mundo inteiro
se une no combate à pandemia, o presidente brasileiro e mais três outros
líderes, conforme noticiou o jornal britânico Financial Times, ficam à parte,
isolados e alheios às decisões que visam impedir a disseminação do vírus.
Além do presidente brasileiro, completam o grupo de negacionistas Daniel
Ortega, da Nicarágua, Alexander Lukashenko, de Belarus e Gurbanguly
Berdymukhamedov, do Turcomenistão. Por razões óbvias, esse grupo foi denominado
pelo professor Oliver Stuenkel, da FGV, de “Aliança do Avestruz”. Melhor
denominação, impossível.
Em meio a orientações e
determinações de lockdown feitas pelos
governadores, o governo federal faz cara de paisagem e, a olhos vistos,
incentiva a desobediência às leis de isolamento. Como resultado de tamanha
irresponsabilidade, a sanha da elite financeira força a abertura do comércio,
enquanto canalhas travestidos de pastores abrem igrejas e vendem sementes
milagrosas que “curam” da Covid-19. E o vírus se espalha. Homens, mulheres e crianças ocupam os parques
e shopping centers. Na calada da noite, dizem, há orgias. Sabe-se lá. E o vírus
se espalha. No mais íntimo de nós, há o medo de que jamais possamos abraçar
aqueles a quem amamos. Tal possibilidade nos adoece e nos fere de dor, pânico e
quase morte. É preciso, no entanto, nos
mantermos unidos e fortes, apesar das perdas. A mente precisa estar sã. Caso
contrário, sucumbiremos.
O desrespeito pela
natureza, certamente contribuiu para estarmos onde estamos. Para o
infectologista Oriol Mitjá: “a epidemia do Coronavírus era evitável”. E
acrescenta, afirmando que é evitável 90% ou mais dos males que temos causado ao
planeta, a nós mesmos e ao próximo. Até quando? Até onde iremos? Há a
possibilidade de que saiamos mais solidários e mais prudentes dessa pandemia.
Também é possível que não aprendamos absolutamente nada, e continuemos errando ad infinitum. Há gente na rua. Há bares
com portas semicerradas, como se o vírus pudesse ser enganado. Há a estupidez
humana. Há a desonra do ser humano, o descaso pela vida do próximo.
Em meio ao isolamento,
leio a poesia de Nicanor Parra, escuto música e escrevo uma linha ou outra. Há
barulho na rua. Alguém poda uma árvore. Sorrio com o sorriso da minha
filha mais nova. Não posso abraçar a mais velha, que está distante. As
chamadas de vídeo diminuem um pouco a saudade, mas não as tristezas.
Tentamos nos manter ocupados. Mas queríamos mesmo era estar livres e poder sair para ver o mar, esse enorme senhor das grandes batalhas. Aguardemos.
Tentamos nos manter ocupados. Mas queríamos mesmo era estar livres e poder sair para ver o mar, esse enorme senhor das grandes batalhas. Aguardemos.
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