sábado, 30 de maio de 2020

Toda imagem é um espelho





Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de Portugal


Os livros de Alberto Manguel são do tipo que costumam causar grande prazer ao leitor (assim deveriam ser todos os livros). Todos, sem exceção, são leves, agradáveis e carregados de uma variedade de conhecimento capaz de elevar o espírito daqueles que se dedicam a, pelo menos, folheá-los. Da obra do autor argentino, muito me agradam Uma História da leitura (1997) e Lendo imagens - Uma história de amor e ódio (2001). Lendo imagens é de uma beleza gritante, no que diz respeito às análises que são feitas a partir das obras de artistas como Tina Modotti, Aleijadinho, Picasso e Caravaggio, por exemplo. O trabalho consiste, basicamente, em analisar a obra de determinado/determinada artista, explorando certas temáticas. Por exemplo: "Marianna Gartner: a imagem como pesadelo" ou "Joan Mitchel: a imagem como ausência". E assim, sempre fazendo essa relação, o autor disponibiliza onze análises.

Costumeiramente, recorro a esse livro em busca de uma ou outra informação. Ás vezes, no entanto, o busco apenas como constatação de possuí-lo, e me vejo como a personagem de "Felicidade Clandestina", conto de Clarice Lispector. E, parafraseando a autora, finjo que não o tenho, só para ter o susto de o ter. Horas, dias, semanas depois abro-o, leio algumas páginas maravilhosas, fecho-o de novo, ando pela casa (geralmente de madrugada), adio a centésima leitura, mas sem ir comer pão com manteiga, e minto pra mim mesmo, fingindo que não sei onde o guardei. 

A imagem é uma forma de compreensão, de nós mesmos e dos outros.Todo retrato, nos diz Manguel, é, em certo sentido, um autorretrato que reflete o espectador. Como "o olho não se contenta em ver", atribuímos a um retrato as nossas percepções e as nossas experiências. Na alquimia do ato criativo, continua ele, todo retrato é um espelho.  E eis que lembro a primeira vez que vi uma Ferrari nas ruas da minha cidade. Na ocasião, fui tomado por um misto de admiração e indignação. Aquilo era para mim uma esfinge. E pensei que quem pode comprar uma Ferrari pode desfilar com ela por onde bem quiser, inclusive pelas ruas esburacadas e fedidas a merda da minha provinciana cidade. E assim, nunca esqueci daquela imagem na vida das minhas retinas tão jovens, mas já tão fatigadas. Eu, que naquela ocasião era apenas um rapazinho latino-americano, suportando o peso de tudo aquilo que é negado a um rapaz latino-americano sem parentes importantes. Assim, não compreendia que aquela Ferrari era a mais pura tradução do fosso que separa ricos e pobres em um país que se orgulha de ser excludente, ao mesmo tempo em que, esquizofrenicamente, fala em meritocracia. Entendi, então, que imagens também podem ser, ao mesmo, aterradoras e conscientizadoras.

Há, em todas as cidades do Brasil, lugares que são delimitados por linhas (nem sempre) imaginárias, que dizem aonde você, pobre, pode ou não pode ir, muito menos permanecer, sem que você possa ser considerado estar em “atitude suspeita”. Isso, obviamente, não é privilégio do Brasil, uma vez que até Bob Dylan já foi preso nos EUA por estar, acredite você, em atitude suspeita. Essa imagem é maravilhosa! Mas falamos daqui, abaixo da linha do Equador, onde quase tudo em relação aos menos favorecidos é sempre tão indecente e ofensivo quanto uma Ferrari cruzando ruas esburacadas e fedorentas.

Crescemos vendo na televisão como são belas as casas dos artistas e políticos brasileiros. Tem-se a impressão de que são seres humanos escolhidos e abençoados por um poder divino, cabendo a nós apenas admirar e agradecer por existirem. Dessa forma, seguimos acreditando que o fosso social que separa ricos e pobres é algo perfeitamente natural, e assim o é porque Deus o quis. Quantas vezes vimos nossos líderes políticos na fila de um supermercado ou andando de ônibus, como uma pessoa comum? Com exceção de um ou outro perdido, nunca os vemos. E por qual razão? A resposta é simples: para nossos líderes, tal distanciamento é necessário como imposição de respeito. Mas na verdade, a coisa não é bem assim. O que ocorre é que esses homens e mulheres políticos não se identificam como seres humanos comuns (houve por aqui um ditador que dizia preferir o cheiro dos cavalos ao do povo); acreditam que estão acima da maioria da população, ungidos por poderes superiores que os permitem, da sua torre de marfim, observar a massa amorfa de cidadãos de segunda classe. A reprodução dessa estupidez aliada à ignorância do povo (se tiver uma boa pitada de religião, perfeito) é a receita para que tudo continue como sempre esteve. E se pudéssemos vislumbrar uma imagem desse tipo de situação, seria a da imagem enquanto submissão, quando deveria ser, na realidade, a imagem enquanto revolta e subversão, como bem nos ensina Minneapolis ao cobrar justiça para George Floyd.

Tais considerações me vieram à mente, quando vi uma imagem que nos diz muito sobre o que somos enquanto sociedade e aquilo que podemos aprender com seres humanos, individualmente. Refiro-me, especificamente, à imagem do Presidente de Portugal, o professor Marcelo Rebelo de Souza, na fila de um supermercado, vestindo seu calção azul-celeste, usando máscara e respeitando o distanciamento exigido pelos protocolos da quarentena estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde. A imagem viralizou e surpreendeu o mundo inteiro, acostumado as inutilidades cotidianas da vida. Para Portugal, no entanto, foi algo corriqueiro. Diante da divulgação da referida imagem, soubemos que o professor, Presidente de Portugal, não mora no palácio presidencial, mas na casa na qual sempre viveu. Não se tem notícia de que o Presidente, professor Marcelo Rebelo de Sousa tenha ou dirija uma Ferrari. Uma das poucas certezas acerca do Presidente de Portugal é que ele, faça chuva ou faça sol, toma seu banho de mar todos os dias às 8h da manhã. Sem mais.

Portugal, como vemos, elegeu um professor como presidente, não um militar paraquedista. E isso faz muita diferença, pois toda imagem é um espelho.


Para ler a poesia de Alejandra Pizarnik







sábado, 23 de maio de 2020

A vida em lockdown




Já são mais de sessenta dias sem sair de casa. Agora há um lockdown, que pouca gente respeita. Muitos nem sabem o que se pretende com isso. Estamos praticamente no pico da pandemia e há gente fazendo carreata, churrasco e indo à praia. Já são, no momento em que escrevo, mais de vinte mil mortos no país. No momento em que escrevo, também temos um presidente completamente alheio ao caos que impera por aqui. Não temos ministro da saúde e os hospitais estão lotados.

Quando uma situação pela qual passamos surge, há muito pouco a se fazer, a não ser acreditar na Ciência e nos cientistas. No caso do Coronavírus, a forma mais eficaz de impedir a propagação é o isolamento. O ar está contaminado. O vírus não escolhe suas vítimas, embora os pobres, pretos e periféricos morram aos montes sem que lhe permitam o mínimo de dignidade. Há, no Brasil, um genocídio em progresso, com os mais vulneráveis entregues à própria sorte. Em meio à matança, tem muita gente lucrando com respiradores e EPIs, comprados sem licitação, ou seja, lucrando com a morte. Surpresa? Nenhuma. O Brasil, como vaticinou o poeta, não é para amadores.



Enquanto o mundo inteiro se une no combate à pandemia, o presidente brasileiro e mais três outros líderes, conforme noticiou o jornal britânico Financial Times, ficam à parte, isolados e alheios às decisões que visam impedir a disseminação do vírus. Além do presidente brasileiro, completam o grupo de negacionistas Daniel Ortega, da Nicarágua, Alexander Lukashenko, de Belarus e Gurbanguly Berdymukhamedov, do Turcomenistão. Por razões óbvias, esse grupo foi denominado pelo professor Oliver Stuenkel, da FGV, de “Aliança do Avestruz”. Melhor denominação, impossível.

Em meio a orientações e determinações de lockdown feitas pelos governadores, o governo federal faz cara de paisagem e, a olhos vistos, incentiva a desobediência às leis de isolamento. Como resultado de tamanha irresponsabilidade, a sanha da elite financeira força a abertura do comércio, enquanto canalhas travestidos de pastores abrem igrejas e vendem sementes milagrosas que “curam” da Covid-19. E o vírus se espalha.  Homens, mulheres e crianças ocupam os parques e shopping centers. Na calada da noite, dizem, há orgias. Sabe-se lá. E o vírus se espalha. No mais íntimo de nós, há o medo de que jamais possamos abraçar aqueles a quem amamos. Tal possibilidade nos adoece e nos fere de dor, pânico e quase  morte. É preciso, no entanto, nos mantermos unidos e fortes, apesar das perdas. A mente precisa estar sã. Caso contrário, sucumbiremos.

O desrespeito pela natureza, certamente contribuiu para estarmos onde estamos. Para o infectologista Oriol Mitjá: “a epidemia do Coronavírus era evitável”. E acrescenta, afirmando que é evitável 90% ou mais dos males que temos causado ao planeta, a nós mesmos e ao próximo. Até quando? Até onde iremos? Há a possibilidade de que saiamos mais solidários e mais prudentes dessa pandemia. Também é possível que não aprendamos absolutamente nada, e continuemos errando ad infinitum. Há gente na rua. Há bares com portas semicerradas, como se o vírus pudesse ser enganado. Há a estupidez humana. Há a desonra do ser humano, o descaso pela vida do próximo.

Em meio ao isolamento, leio a poesia de Nicanor Parra, escuto música e escrevo uma linha ou outra. Há barulho na rua. Alguém poda uma árvore. Sorrio com o sorriso da minha filha mais nova. Não posso abraçar a mais velha, que está distante. As chamadas de vídeo diminuem um pouco a saudade, mas não as tristezas.

Tentamos nos manter ocupados. Mas queríamos mesmo era estar livres e poder sair para ver o mar, esse enorme senhor das grandes batalhas. Aguardemos.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Sobre belos e malditos




Os números continuam aumentando. Os jornais contam casos e cadáveres. As ruas começaram a ficar desertas. Profissionais da saúde correm contra o tempo. Muitos estão morrendo. Na solidão do isolamento releio “A borboleta e o tanque”, de Hemingway. A intolerância que conduz a narrativa angustia. Faz tempo perdemos nossa humanidade, penso. Sobre a pandemia, as piadas e os memes já começam a desaparecer. Triste, a alegria se recolhe. Por quanto tempo ficará reclusa? Sabe-se lá.

Hoje ouvimos música e vestimos nossa filha de bailarina. Ao entretê-la, lembrei daquele pai que, na Síria, em meio a bombardeios diários, ria de cada bomba  que caia, fazendo sua filha se divertir e esquecer o terror que ocorria (ainda ocorre) ali. Apenas lembro, pois qualquer tentativa de comparação seria impossível. Ambos, pai e filha , conseguiram sair do inferno e foram recebidos pela Turquia.




As bobagens que a Internet traz acabam por tornar nossos dias mais leves. Temos rido muito. E isso é muito bom, pois espanta os males e as dores, como quando cantamos. Por outro lado, a Internet também nos traz as piores notícias do mundo. Tais notícias adoecem nossos corações e nossas mentes. Porém, não há como ignorá-las. E assim, vamos lendo sobre aqueles que salvam vidas, bem como aqueles que  ajudam aos mais necessitados. A esses, chamo de belos. Do outro lado, há aqueles que não demonstram nenhuma empatia pelo próximo, querem, não importa como, abrir suas lojas e lucrar, lucrar e lucrar. São os malditos. Será que um dia esse país terá alguma decência? Ainda há rosas capazes de florescer no asfalto?

Como país, seguimos à deriva. Há doentes e mortos. Há polícia e tiroteio na favela, onde deveria haver médicos e dignidade. Um menino foi morto pela polícia, que sequestrou seu corpo. Em meio a tanto caos, a morte de uma criança dilacera o coração de qualquer pessoa que ainda não se permitiu bestializar-se. João Pedro era um menino negro, belo. João Pedro entrou para as estatísticas como mais um menino negro assassinado pela polícia (God damn it!) que é paga para servir e proteger. 

O Brasil está à deriva. Não há projetos que objetivem melhorias para a população. Há projetos pessoais de poder. Há o avanço do fascismo. Ao Coronavírus, isso pouco interessa. A morte bate à porta. Todo dia o Brasil é morto por um tiro de fuzil. E assim, seguimos abrindo covas e mais covas até que consigamos, um dia, abrir uma tão grande que caiba o Brasil e possamos, finalmente, descansar em paz.


domingo, 3 de maio de 2020

O que significa um nome?



Conhecemos pessoas com nomes comuns, diferentes, extraordinários. Muitos desses nomes podem não significar nada para uns. Para outros, no entanto, são nomes especiais. E o são por conterem em si uma carga significativa de memórias e afetos, que são acionados sempre que dizemos e/ou ouvimos tais nomes. Um nome, ao ser substituído por um número, desumaniza, pois apaga uma identidade, objetificando o nomeado. Os líderes totalitários sabem muito bem disso. E assim, sempre que a mão pesada da repressão cai sobre seus opositores, o primeiro ato é desumanizá-los, apagando-se o nome, a identidade.

Em Romeu e Julieta, peça escrita por William Shakespeare (1564 – 1616) entre 1591 e 1595, tem-se a história trágica do amor entre Romeu, filho de Montéquio, e Julieta, filha de Capuleto. Por serem filhos de famílias rivais, Romeu e Julieta não podem consolidar o amor que sentem um pelo outro. Neste caso, os nomes das famílias, que trazem em si um histórico de disputas, traições e tragédias, pesam sobre as decisões e o destino do jovem casal. No segundo ato, cena II, há uma das mais belas passagens sobre o peso que um nome impõe àqueles que o carregam. E assim, em diálogo com Romeu, Julieta pergunta: “o que significa um nome? Aquilo a que chamamos rosa, com qualquer outro nome teria o mesmo doce perfume. E Romeu também, mesmo que não se chamasse Romeu, ainda assim teria a mesma amada perfeição que lhe é própria (...)”. O trecho citado consta da tradução de Beatriz Viegas-Faria, para a reimpressão de Romeu e Julieta, da Coleção L&PM POCKET, de 2010.

O “caso” Romeu e Julieta é específico e pertence a um contexto não menos específico, ou seja, tem-se o contexto da rivalidade entre famílias. Na vida real, no entanto, as coisas não funcionam bem assim, tendo em vista a carga semântica que cada nome possui. As memórias que acesso quando falo ou escuto os nomes Clarice, Geórgia e Tarsila pertencem ao meu universo particular, às minhas histórias e memórias de vida, as quais me são extremamente importantes. Substituir esses nomes por outros implicaria no apagamento de tudo aquilo que me constitui como um ser humano intimamente ligado a cada um deles. Em síntese, estaria apagando parte da minha identidade.


Penso no que significa um nome, quando leio nos jornais que na próxima semana teremos, conforme o Ministro da Saúde, por volta de mil mortos por dia, o que daria, considerando-se as subnotificações, aproximadamente dez mil mortos já na primeira semana de maio, vítimas da pandemia do Coronavírus. Esses dez mil mortos não terão direito a um nome na lápide. Terão apenas um ou outro membro da família a dar-lhes o último adeus. Umas flores talvez. Serão enterrados em caixões lacrados, junto a outros corpos, em uma vala coletiva. Serão não mais que números para o Estado. E números, o que são? Mas continuarão sendo nomes para aqueles com quem conviveram e amaram.

Os tempos são difíceis. Não há luz no horizonte. Mas é preciso continuar em frente. Sobre isso, Antígona, personagem de mesmo nome na peça de Sófocles (496 a.C – 406 a.C) pode nos servir de farol. Na apresentação da reimpressão de Antígona para  a Coleção L&PM POCKET, de 2010, Donaldo Schüler, o tradutor, nos diz:

Antígona é uma peça de fortes contrastes. Onde convocar forças para derrubar o tirano quando cidadãos respeitáveis calam? Sófocles coloca uma mulher sem partidários, sem exército, sem nada. Antígona abala a tirania sozinha. E isso  numa sociedade em que a vida pública era de exclusiva competência masculina. O homem é terrível (deinós), dirá o coro. Preserve-se a ambiguidade. O homem é terrível no crime e na virtude, em altos pensamentos e atitudes intempestivas, na opressão e na luta pela liberdade. Antígona morre? Morre! Morre como poucos. Morre para dignificar todos os que  em todas as épocas atacam a injustiça. Não há tormento  maior do que viver como Creonte, o tirano – entre ruínas espalhadas pelos seus desatinos. Antígona é uma aventura de lealdade, dignidade, linguagem e vida. (SCHÜLER, 2010:5)


É tempo de desafiar o tirano Creonte e seguir o exemplo de Antígona. 

Que não nos demoremos!


sexta-feira, 1 de maio de 2020

O Brasil entre o “e daí?” e o “foda-se”



Em 24h, o Brasil registrou 474 mortes em decorrência do Covid-19. Foram 20 mortes por hora, o que dá uma morte a cada três minutos. A quantidade de mortos, sem se levar em consideração as subnotificações, já superou as mortes ocorridas na China, e não param de crescer. Hospitais e cemitérios estão lotados, famílias estão desesperadas. São homens, mulheres e crianças contaminados, relegados a um canto qualquer de alguma unidade de atendimento médico. Os profissionais da saúde, por sua vez, não estão menos desesperados, pois estão trabalhando além daquilo que podem suportar, sem poder nem ao menos abraçar seus entes queridos. O isolamento social, indispensável para se conter o avanço do vírus, tem afetado a saúde mental de muitos. E o que dizer daquelas famílias que nem sequer podem dar um funeral decente aos seus mortos?

Sim, há um misto de desespero, tristeza e angústia a atacar a população brasileira. O momento, no entanto, não permite a ninguém tripudiar sobre aqueles que votaram no atual mandatário da República e que, infelizmente, estão infectados ou morreram. Esse tipo de atitude serve apenas para nos reduzir enquanto seres humanos, pois, independentemente da situação, a desumanização jamais deve se tornar uma opção, mesmo em tempos de cólera.



Há, no país, um caos generalizado. Tem-se a sensação, comprovada pelas notícias confiáveis que nos chegam, de que pouco ou quase nada tem sido efetivamente feito pelo governo federal para barrar o avanço da contaminação. Enquanto a maioria dos governadores tenta salvar a população dos Estados que comandam, o país é inundado todos os dias por milhares de notícias falsas, muitas delas divulgadas por membros do próprio governo federal, que tentam desconstruir a importância da população se proteger, mantendo-se socialmente isolada. É bastante curioso, por exemplo, que pessoas com nível ralo de educação, como certos parlamentares, por exemplo, insistam em tentar desacreditar cientistas que passaram suas vidas estudando epidemias.  Qual a resposta que a justiça brasileira tem dado a esse tipo de crime? nenhuma. E assim seguimos à deriva, vendo a cada novo dia, covas e covas serem abertas, corpos serem empilhados e a morte a bater-nos à porta.

O país vive, ao mesmo tempo, uma crise política, uma econômica e uma sanitária. Tais crises que, de uma forma ou outra, estão interligadas, não poderiam ter explodido em pior momento. Momento este em que o Brasil carece de uma liderança política que o conduza em meio a tormenta. Mas já faz muito tempo que o Brasil não dispõe de grandes lideranças (se é que algum dia as teve), uma vez que se acostumou à mediocridade do toma-lá-dá-cá, modus operandi eternamente em voga por aqui. Assim, aos mais altos poderes da República são alçados os piores nomes. São filhos e netos de velhas raposas da política nacional, que jamais fizeram algo na vida, a não ser mamar nas tetas do Estado. São vereadores, deputados, governadores e senadores que deixam muito a desejar àquilo que as funções que ocupam exigem. São ignorantes, autoritários e culturalmente despreparados para o desempenho das funções que a Política requer.

Quando surge uma situação emergencial, como a que nos assola, que exige ação e expertise de gestão, a experiência limítrofe de gabinete da maioria desses políticos, não serve para absolutamente nada, assim como também não serve para nada ter chegado a alguma das esferas do poder, simplesmente por ter entupido a Internet de robôs, espalhando as mais imbecis das fake news, aproveitando-se da ignorância de grande parte da população. Em uma situação de crise sanitária, como a que estamos enfrentando, não adianta um político com as características citadas vir a público e dizer que votou no candidato tal, mesmo sabendo que ele era “um jumento”. É ridículo, pois, pelo que me consta, jumento não vota em tigre.

Questionado acerca do crescente número de mortos em decorrência do Coronavírus, o excelentíssimo senhor presidente da república respondeu: “e daí?”. Em qualquer país sério, o referido senhor já teria sido apeado do poder, processado e, provavelmente, preso. Contudo, no Brasil, república de bananas (e bananinhas), na qual os líderes políticos, aliados ao capital, faça chuva, faça sol ou pandemia, trabalham, muitas vezes na calada da noite, contra a população. A herança maldita do escravismo continua cada vez mais forte por aqui. Assim, não nos surpreendamos se ao senhor presidente for perguntado mais uma vez sobre o crescente número de mortos em decorrência do Covid-19 (e em decorrência do descaso do seu governo). A resposta poderá ser um “foda-se”.