sábado, 18 de fevereiro de 2017

UM RADUAN NASSAR INCOMODA MUITA GENTE

Raduan Nassar é um dos grandes nomes da Literatura Brasileira. Autor de obras clássicas como Lavoura Arcaica (1975), Um copo de cólera (1978) e Menina a caminho (1994); foi contemplado com o Prêmio Camões no ano de 2016. Ao receber o Prêmio em fevereiro de 2017, o consagrado autor proferiu um discurso por meio do qual denunciou o governo ilegítimo de Michel Temer, bem como os recorrentes abusos policiais e o lawfare da justiça brasileira. 

Posicionando-se assim, Nassar demonstra não apenas dominar os meandros da arte literária, mas também ser consciente da responsabilidade política que recaí sobre todo grande artista, o qual não pode jamais hesitar em assumir posição em defesa do povo, dos direitos humanos e da democracia. 

Não nos custa lembrar Walter Benjamim, quando afirma que: "o artista que não consegue tomar partido deve se calar". E Enquanto inúmeros "artistas" brasileiros se calam frente ao óbvio, Raduan Nassar fala; tornando-se, tal qual Chico Buarque, um gigante entre os anões da mediocridade e da alienação.  Assim, um Raduan Nassar incomoda muita gente. Um Raduan Nassar recebendo o Prêmio Camões e defendendo a democracia incomoda muito mais. 



Raduan Nassar discursa ao receber o Prêmio Camões



Abaixo, o discurso de Raduan Nassar:


Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.

Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.

Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.

Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.

Saudações a todos os convidados.

Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.
Portanto, Sr. Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.
Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas.
É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.
O golpe estava consumado!
Não há como ficar calado.
Obrigado


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