O Nordeste sentado na
esquina do mapa, como dito na canção Ploft,
de Belchior; observa atentamente tudo aquilo que se dá em redor. Mas o Nordeste
está mesmo ali, pois como nos confidencia o mesmo grande poeta, “o Nordeste é
uma ficção, o Nordeste nunca houve!”. E sobre tudo isso, o professor Durval
Muniz nos diz muito em seu livro A
invenção do Nordeste e outras artes (2011). No prefácio do referido
trabalho, Margareth Rago é assertiva ao afirmar que “falar do Nordeste é
inventariar os muitos estereótipos e mitos que emergiram com o próprio espaço
físico reconhecido no mapa...”. E desde muito tempo, de Gilberto Freyre (e bem
antes) a Patativa do Assaré, tem-se inventariado os inúmeros nordestes contido
no (in)existente Nordeste.
Nesse sentido, a música
tem sido um canal eficaz de questionamentos e proposições acerca do que é, do
que se convencionou chamar e do que ainda poderá vir a ser o Nordeste. O breve preâmbulo vem como forma de
discorrermos acerca do mais recente projeto musical intitulado “Rebeldia Nordestina”,
da cantora baiana Margareth Menezes, o qual acaba de ser apresentado na Caixa
Cultural, na cidade de Fortaleza. A artista brindou a cidade com três
apresentações ocorridas nos dias 20, 21 e 22 de janeiro de 2017. O objetivo do
projeto de Margareth Menezes é apresentar aos “novos ouvidos”, cantores e
compositores nordestinos, basicamente dos anos 70 e 80, que contribuíram para a
formação da artista e, no mesmo sentido, ajudaram a forjar a identidade do povo
brasileiro; mais especificamente do povo nordestino.
Assim sendo, com três
dias de casa cheia, Margareth Menezes privilegia a música urbana nordestina ao
interpretar grandes canções de nomes como Belchior, Fagner Alceu Valença,
Geraldo Azevedo, Novos Baianos, Zé Ramalho e Raul Seixas; entre outros (nos
referimos aqui, especificamente ao show do dia 22). É, sem dúvida, um
coroamento à artista que completa trinta anos de carreira no ano de 2017. A
cada uma das canções apresentadas, o público respondia entusiasticamente. E olhe
que não é pra qualquer um ser ovacionado, cantando Belchior na terra do próprio
poeta que, como bem disse a cantora, nos faz muita falta. Mas, dona da cena e
da voz, Menezes, apresenta umas das melhores interpretações de “Como nossos pais”
já vistas em terras de Alencar. A cantora ainda extrapolou talento ao
interpretar “Asa partida” e “Noturno”, de um Raimundo Fagner, que também deixou
saudades.
A direção musical de “Rebeldia
Nordestina” é de Adail Scarpelini e Théo Silva, os quais assumem,
respectivamente, guitarras, violões e violas. Nino Bezerra, por sua vez, é o
baixista. O acordeon e o teclado ficam
por conta de Thiago Mendes, enquanto a bateria é assunto para Tito Oliveira. O
espetáculo apresentado por Margareth Menezes é daqueles capazes de encantar as plateias
mais exigentes, quando o assunto é a Música Popular Brasileira. E ainda poderia
ser bem melhor. Por exemplo, Thiago Mendes e seu acordeon poderiam, em determinado momento do show, serem trazidos à frente, construindo uma espécie de diálogo
da voz de Menezes com o som do acordeon. Por qual razão subutilizar um “Astor Piazzolla”?
O mesmo poderia ser feito com os guitarristas. O destaque dado à participação
do baterista e do baixista foram momentos altos da apresentação.
E o que falta ao show “Rebeldia
Nordestina”, para que seja considerado uma “perfeição”, entrando para a lista
dos grandes espetáculos de 2017? Respondo. Falta uma Margareth Menezes mais “Mick
jaggeriana”, solta no palco, ocupando todos aqueles espaços; usando e abusando
dos seus vestidos, cabelos, vozes e cores; que lhe são tão peculiares. Na apresentação
do dia 22, Margareth Menezes só assumiu o desempenho do qual sentimos falta, no
final, ao interpretar “Mosca na sopa”, de Raul Seixas. Naquele momento, o palco se mostrou pequeno para a grandeza da artista. Isso, contudo, em nada diminui a excelência da qualidade
do espetáculo apresentado em Fortaleza.
O show de Margareth
Menezes surge em um contexto nacional de dilaceração de anseios coletivos e usurpação
de direitos civis individuais, em um claudicante Brasil do pós-verdade. Dessa
maneira, o sentimento de pertencimento histórico impregnado nas canções interpretadas
pela cantora diz muito mais do que aparenta dizer, pois, por si só, é atual, poético,
político e contestador. Assim sendo, “Rebeldia Nordestina” é um show para ser
visto e revisto à exaustão. Bravo, Margareth!
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