quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

MARGARETH MENEZES: REBELDIA NORDESTINA

O Nordeste sentado na esquina do mapa, como dito na canção Ploft, de Belchior; observa atentamente tudo aquilo que se dá em redor. Mas o Nordeste está mesmo ali, pois como nos confidencia o mesmo grande poeta, “o Nordeste é uma ficção, o Nordeste nunca houve!”. E sobre tudo isso, o professor Durval Muniz nos diz muito em seu livro A invenção do Nordeste e outras artes (2011). No prefácio do referido trabalho, Margareth Rago é assertiva ao afirmar que “falar do Nordeste é inventariar os muitos estereótipos e mitos que emergiram com o próprio espaço físico reconhecido no mapa...”. E desde muito tempo, de Gilberto Freyre (e bem antes) a Patativa do Assaré, tem-se inventariado os inúmeros nordestes contido no (in)existente Nordeste.

Nesse sentido, a música tem sido um canal eficaz de questionamentos e proposições acerca do que é, do que se convencionou chamar e do que ainda poderá vir a ser o Nordeste.  O breve preâmbulo vem como forma de discorrermos acerca do mais recente projeto musical intitulado “Rebeldia Nordestina”, da cantora baiana Margareth Menezes, o qual acaba de ser apresentado na Caixa Cultural, na cidade de Fortaleza. A artista brindou a cidade com três apresentações ocorridas nos dias 20, 21 e 22 de janeiro de 2017. O objetivo do projeto de Margareth Menezes é apresentar aos “novos ouvidos”, cantores e compositores nordestinos, basicamente dos anos 70 e 80, que contribuíram para a formação da artista e, no mesmo sentido, ajudaram a forjar a identidade do povo brasileiro; mais especificamente do povo nordestino.

Assim sendo, com três dias de casa cheia, Margareth Menezes privilegia a música urbana nordestina ao interpretar grandes canções de nomes como Belchior, Fagner Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Novos Baianos, Zé Ramalho e Raul Seixas; entre outros (nos referimos aqui, especificamente ao show do dia 22). É, sem dúvida, um coroamento à artista que completa trinta anos de carreira no ano de 2017. A cada uma das canções apresentadas, o público respondia entusiasticamente. E olhe que não é pra qualquer um ser ovacionado, cantando Belchior na terra do próprio poeta que, como bem disse a cantora, nos faz muita falta. Mas, dona da cena e da voz, Menezes, apresenta umas das melhores interpretações de “Como nossos pais” já vistas em terras de Alencar. A cantora ainda extrapolou talento ao interpretar “Asa partida” e “Noturno”, de um Raimundo Fagner, que também deixou saudades.

A direção musical de “Rebeldia Nordestina” é de Adail Scarpelini e Théo Silva, os quais assumem, respectivamente, guitarras, violões e violas. Nino Bezerra, por sua vez, é o baixista.  O acordeon e o teclado ficam por conta de Thiago Mendes, enquanto a bateria é assunto para Tito Oliveira. O espetáculo apresentado por Margareth Menezes é daqueles capazes de encantar as plateias mais exigentes, quando o assunto é a Música Popular Brasileira. E ainda poderia ser bem melhor. Por exemplo, Thiago Mendes e seu acordeon poderiam, em determinado momento do show, serem trazidos à frente, construindo uma espécie de diálogo da voz de Menezes com o som do acordeon. Por qual razão subutilizar um “Astor Piazzolla”? O mesmo poderia ser feito com os guitarristas. O destaque dado à participação do baterista e do baixista foram momentos altos da apresentação.

E o que falta ao show “Rebeldia Nordestina”, para que seja considerado uma “perfeição”, entrando para a lista dos grandes espetáculos de 2017? Respondo. Falta uma Margareth Menezes mais “Mick jaggeriana”, solta no palco, ocupando todos aqueles espaços; usando e abusando dos seus vestidos, cabelos, vozes e cores; que lhe são tão peculiares. Na apresentação do dia 22, Margareth Menezes só assumiu o desempenho do qual sentimos falta, no final, ao interpretar “Mosca na sopa”, de Raul Seixas. Naquele momento, o palco se mostrou pequeno para a grandeza da artista. Isso, contudo, em nada diminui a excelência da qualidade do espetáculo apresentado em Fortaleza.

O show de Margareth Menezes surge em um contexto nacional de dilaceração de anseios coletivos e usurpação de direitos civis individuais, em um claudicante Brasil do pós-verdade. Dessa maneira, o sentimento de pertencimento histórico impregnado nas canções interpretadas pela cantora diz muito mais do que aparenta dizer, pois, por si só, é atual, poético, político e contestador. Assim sendo, “Rebeldia Nordestina” é um show para ser visto e revisto à exaustão. Bravo, Margareth!

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