quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

COLÉGIO CEARENSE DO SAGRADO CORAÇÃO

Fortaleza é daquelas cidades que possuem a capacidade de inspirar. A brisa que sopra do mar encanta a todos aqueles que habitam a cidade dos mares bravios, cantados em prosa poética, por José de Alencar. Mas Fortaleza está esquecendo-se das coisas. Seu casario histórico, por exemplo, está desaparecendo e, a continuar assim, o fortalezense corre o risco de acordar em um belo dia de sol, cercado por igrejas, bares e estacionamentos. Não que tenhamos nada contra os bares, mas nem só de igrejas e estacionamento vive uma cidade.

E em meio à eterna mesmice recorrente nos jornais locais, uma notícia chamou a atenção da cidade. Trata-se da divulgação de que, oficialmente, o centenário prédio do Colégio Marista Cearense torna-se bem cultural do Estado do Ceará, figurando no livro de tombo histórico e etnográfico. Tendo suas atividades iniciadas por volta de 1913, a referida edificação está localizada bem no coração da cidade, na Avenida Duque de Caxias, 101, tendo abrigado por 90 anos o Colégio Cearense do Sagrado Coração. Assim sendo, o prédio do histórico Colégio Cearense está tombado tanto pela Prefeitura de Fortaleza quanto pelo Estado do Ceará; o que enche de orgulho, alegria e satisfação todos aqueles que tiveram a sorte de caminhar por seus pátios e corredores, como membros da grande família Marista.

Sobre o Colégio Cearense, segue a crônica intitulada “Marista Cearense”.*

Vinda de uma outra escola, a menininha perguntou ao então diretor do Colégio Marista Cearense o motivo pelo qual não se elegia a rainha do Colégio Cearense. Com paciência de santo, o diretor respondeu que não era necessário, pois todas as alunas da escola eram rainhas do Colégio Cearense. Não sei se, de início, a garota aceitou muito bem, mas depois, com certeza.

Ver o diretor catando papel na hora do recreio ou até mesmo “batendo uma bolinha” com os alunos era coisa mais que comum naquela escola: a pedagogia da presença, sabíamos.

Na maioria das escolas, meninos e meninas não vêem a hora de ir pra casa. Não lá. Ao contrário, “precisavam ser mandados embora”, pois, se dependesse deles, não arredariam pé. Aqueles que estudavam à tarde chegavam cedo, quase pela manhã. Os que estudavam pela manhã entravam pela tarde. Chegava a noite, e meninos e meninas ainda preenchiam de alegria as quadras e pátios do Colégio Cearense.

Para quem não teve a chance de estudar ou trabalhar lá, é difícil compreender exatamente o que era tudo aquilo. No coração de Fortaleza (como imaginar uma cidade sem coração?), “por Deus, pela Pátria e por Maria...”, o Cearense formou muita gente boa. Dizem que muita gente que é importante (todo mundo é importante!) e famosa passou por lá. E por formar gente boa, o Cearense pagou um preço muito alto.


Formar cidadãos exige responsabilidade, respeito e ética. O Cearense jamais negociou o “passe” dos seus alunos, jamais os dividiu em vencedores e perdedores, nem estampou seus rostos, como produtos, pelos quatro cantos da cidade. Assim, como diz a canção: “ o preço que se paga às vezes é alto demais”. Dessa forma, o anúncio de que o Colégio Cearense fechará suas portas no dia 31 de dezembro de 2007, além de enlutar o coração daqueles que lá conviveram, deveria servir de motivo para debates acerca das escolas que temos, do ensino que oferecem. Mas afinal, que educação precisamos? Como sempre acontece, nada será feito. No máximo, algumas pobres notas nos jornais. Um abraço no Colégio? Talvez.

O mais importante mesmo é que o Colégio Cearense fecha, mas não acaba. Ele estará sempre nos corações e nas atitudes de cada homem e de cada mulher, que, quando menino, menina, jovem, ocupou seus bancos, suas quadras, seus pátios... Seu ventre. 

*A crônica “Marista Cearense” está no livro de crônicas Memória de peixe, de Carlos Carvalho, vencedor do Prêmio de Literatura Unifor, de 2009. 

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