quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

BORDANDO A MÚSICA SOBRE O CEARÁ


Foto: Geórgia Cavalcante Carvalho
A expressão “o espírito da nação”, cunhada por Hegel, comporta a ideia de que cada sociedade é um sistema único, ancorado nas suas mais precisas tradições culturais. Cada parte constituinte dessa sociedade contribui para formar um todo orgânico, não podendo ser pensada de maneira isolada, ou seja, são partes inseparáveis que contemplam a arte, as crenças, a língua e os costumes. A ideia hegeliana aliada ao sentimento telúrico pode resultar em excelentes trabalhos artísticos, haja vista, o que se pode observar na música de Luiz Gonzaga ou na literatura de Miguel Torga, por exemplo.

A tese hegeliana, que antes já existia em Montesquieu, nos vem à mente quando da exposição Bordando a música sobre o Ceará, em cartaz na galeria BenficArte, do Shopping Benfica, em Fortaleza. A exposição é o resultado de um projeto coordenado pelas professoras Maria de Nazaré de Oliveira Fraga, Maria Dalva Santos Alves e Ana Cristina Guimarães Ferreira, com o patrocínio da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Ceará – ADUFC.

Foto: Geórgia Cavalcante Carvalho
O trabalho consistiu em selecionar vinte e três letras de músicas que “cantassem o Ceará”. Feita a seleção, cada canção seria representada por uma tela bordada à mão. Na exposição letra e tela surgem lado a lado, numa relação intersemiótica. Todas as bordadeiras que participam da exposição são professoras da Universidade Federal do Ceará. Para levarem o Projeto adiante, as artistas tiveram que se dedicar ao estudo dos principais movimentos musicais ocorridos no Estado do Ceará, como o Massafeira e o Pessoal do Ceará; sem se descuidar, no entanto, de vertentes como o maracatu, o repente, a cantoria, o improviso e o forró.

A execução do Projeto se deu em duas partes, a saber: realização de seminários a respeito de músicas sobre o Ceará e a escolha da canção que se tornaria tela. Para tanto, as bordadeiras ouviram mestres como Alberto Nepomuceno, Lauro Maia, Luiz Assunção, Patativa do Assaré e Humberto Teixeira; entre muitos outros.

Foto: Geórgia Cavalcante Carvalho
As telas que compõem a exposição Bordando a música sobre o Ceará descartaram completamente qualquer forma de material industrializado, tendo sido todas bordadas em tecido de algodão, com agulhas, linhas e tingimento naturais. Entre as tantas canções transformadas telas bordadas estão “Mucuripe”, de Fagner e Belchior; “No Ceará é assim”, de Carlos Barroso, “Súplica Cearense”, de Gordurinha e Nelinho; “Ceará de Luz”, de Mário Mesquita e Arlindo Araújo e "Terral", de Ednardo.

Esperamos que, ao deixar a BenficArte, a belíssima exposição Bordando a música sobre o Ceará possa continuar em cartaz também em outros espaços culturais; não apenas em Fortaleza, mas por todo o Estado, posto que em tudo representa "o espírito da nação" cearense.


sábado, 18 de fevereiro de 2017

UM RADUAN NASSAR INCOMODA MUITA GENTE

Raduan Nassar é um dos grandes nomes da Literatura Brasileira. Autor de obras clássicas como Lavoura Arcaica (1975), Um copo de cólera (1978) e Menina a caminho (1994); foi contemplado com o Prêmio Camões no ano de 2016. Ao receber o Prêmio em fevereiro de 2017, o consagrado autor proferiu um discurso por meio do qual denunciou o governo ilegítimo de Michel Temer, bem como os recorrentes abusos policiais e o lawfare da justiça brasileira. 

Posicionando-se assim, Nassar demonstra não apenas dominar os meandros da arte literária, mas também ser consciente da responsabilidade política que recaí sobre todo grande artista, o qual não pode jamais hesitar em assumir posição em defesa do povo, dos direitos humanos e da democracia. 

Não nos custa lembrar Walter Benjamim, quando afirma que: "o artista que não consegue tomar partido deve se calar". E Enquanto inúmeros "artistas" brasileiros se calam frente ao óbvio, Raduan Nassar fala; tornando-se, tal qual Chico Buarque, um gigante entre os anões da mediocridade e da alienação.  Assim, um Raduan Nassar incomoda muita gente. Um Raduan Nassar recebendo o Prêmio Camões e defendendo a democracia incomoda muito mais. 



Raduan Nassar discursa ao receber o Prêmio Camões



Abaixo, o discurso de Raduan Nassar:


Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.

Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.

Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.

Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.

Saudações a todos os convidados.

Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.
Portanto, Sr. Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.
Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas.
É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.
O golpe estava consumado!
Não há como ficar calado.
Obrigado


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

COLÉGIO CEARENSE DO SAGRADO CORAÇÃO

Fortaleza é daquelas cidades que possuem a capacidade de inspirar. A brisa que sopra do mar encanta a todos aqueles que habitam a cidade dos mares bravios, cantados em prosa poética, por José de Alencar. Mas Fortaleza está esquecendo-se das coisas. Seu casario histórico, por exemplo, está desaparecendo e, a continuar assim, o fortalezense corre o risco de acordar em um belo dia de sol, cercado por igrejas, bares e estacionamentos. Não que tenhamos nada contra os bares, mas nem só de igrejas e estacionamento vive uma cidade.

E em meio à eterna mesmice recorrente nos jornais locais, uma notícia chamou a atenção da cidade. Trata-se da divulgação de que, oficialmente, o centenário prédio do Colégio Marista Cearense torna-se bem cultural do Estado do Ceará, figurando no livro de tombo histórico e etnográfico. Tendo suas atividades iniciadas por volta de 1913, a referida edificação está localizada bem no coração da cidade, na Avenida Duque de Caxias, 101, tendo abrigado por 90 anos o Colégio Cearense do Sagrado Coração. Assim sendo, o prédio do histórico Colégio Cearense está tombado tanto pela Prefeitura de Fortaleza quanto pelo Estado do Ceará; o que enche de orgulho, alegria e satisfação todos aqueles que tiveram a sorte de caminhar por seus pátios e corredores, como membros da grande família Marista.

Sobre o Colégio Cearense, segue a crônica intitulada “Marista Cearense”.*

Vinda de uma outra escola, a menininha perguntou ao então diretor do Colégio Marista Cearense o motivo pelo qual não se elegia a rainha do Colégio Cearense. Com paciência de santo, o diretor respondeu que não era necessário, pois todas as alunas da escola eram rainhas do Colégio Cearense. Não sei se, de início, a garota aceitou muito bem, mas depois, com certeza.

Ver o diretor catando papel na hora do recreio ou até mesmo “batendo uma bolinha” com os alunos era coisa mais que comum naquela escola: a pedagogia da presença, sabíamos.

Na maioria das escolas, meninos e meninas não vêem a hora de ir pra casa. Não lá. Ao contrário, “precisavam ser mandados embora”, pois, se dependesse deles, não arredariam pé. Aqueles que estudavam à tarde chegavam cedo, quase pela manhã. Os que estudavam pela manhã entravam pela tarde. Chegava a noite, e meninos e meninas ainda preenchiam de alegria as quadras e pátios do Colégio Cearense.

Para quem não teve a chance de estudar ou trabalhar lá, é difícil compreender exatamente o que era tudo aquilo. No coração de Fortaleza (como imaginar uma cidade sem coração?), “por Deus, pela Pátria e por Maria...”, o Cearense formou muita gente boa. Dizem que muita gente que é importante (todo mundo é importante!) e famosa passou por lá. E por formar gente boa, o Cearense pagou um preço muito alto.


Formar cidadãos exige responsabilidade, respeito e ética. O Cearense jamais negociou o “passe” dos seus alunos, jamais os dividiu em vencedores e perdedores, nem estampou seus rostos, como produtos, pelos quatro cantos da cidade. Assim, como diz a canção: “ o preço que se paga às vezes é alto demais”. Dessa forma, o anúncio de que o Colégio Cearense fechará suas portas no dia 31 de dezembro de 2007, além de enlutar o coração daqueles que lá conviveram, deveria servir de motivo para debates acerca das escolas que temos, do ensino que oferecem. Mas afinal, que educação precisamos? Como sempre acontece, nada será feito. No máximo, algumas pobres notas nos jornais. Um abraço no Colégio? Talvez.

O mais importante mesmo é que o Colégio Cearense fecha, mas não acaba. Ele estará sempre nos corações e nas atitudes de cada homem e de cada mulher, que, quando menino, menina, jovem, ocupou seus bancos, suas quadras, seus pátios... Seu ventre. 

*A crônica “Marista Cearense” está no livro de crônicas Memória de peixe, de Carlos Carvalho, vencedor do Prêmio de Literatura Unifor, de 2009. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

JARDS MACALÉ POR JARDS MACALÉ

Na história dos movimentos que contribuíram para a cultura nacional, o Tropicalismo está, certamente, entre aqueles que mais contribuíram nos mais variados setores: literatura, drama, dança, artes plásticas e música. Ao longo do caminho percorrido da década de sessenta até esses dias de liquidez, muitos artistas pararam pelo caminho. Alguns tiveram que partir mais cedo, outros se mantiveram marginais e alguns cult; enquanto outros viraram estrelas pra lá de midiáticas, donos de egos maiores do que pode supor qualquer vã filosofia.

Nesse contexto, Jards Macalé tem se mantido como um farol referencial de uma época, bem como tem estado em perfeita conexão com as exigências impostas pela cultura contemporânea. Contudo, Jards Macalé não pode, jamais, ser rotulado disso ou daquilo; tendo em vista que seu talento poético ultrapassa qualquer tentativa de classificação. E se Chico Buarque “anda pra frente, carregando a tradição”; Macalé se impõe e lança sua poesia para além dos muros altos da tradição das Gotham cities da vida, pois é um provocador consciente da necessidade de se satirizar a mesmice e ironizar a mediocridade.

Sua obra poética não se limita, no entanto, à ironia e à sátira; mas alberga também valiosos versos sobre as dores do mundo, o amor, a vida e o cotidiano. Certamente que é preciso ter olhos e ouvidos atentos para compreender o que nos diz o poeta de Vapor barato (composta em parceria com o não menos poeta Waly Salomão), pois sua poesia é rica, certeira e voraz. Embora, aparentemente “fácil”, a poesia de Jards Macalé vai muito além do que superficialmente se observa, contendo toda uma carga de questionamentos líricos e político-sociais.
Jards Macalé em Fortaleza, fevereiro de 2017.
Foto: Carlos Carvalho.

De passagem por Fortaleza, com o show JM & JM – Jards Macalé por Jards Macalé, o experiente artista mostrou no palco da Caixa Cultural, o quanto sua canção continua em consonância como diferentes gerações de ouvintes. Para tanto, Macalé contou “apenas” com sua voz e seu violão, para entoar e encantar uma platéia ávida por ouvi-lo  em uma calma noite de fevereiro (foram cinco apresentações, do dia 03 ao dia 05 de fevereiro de 2017), quando já se avizinhavam, no céu da cidade, algumas nuvens de esperanças quase perdidas.

Um banquinho, um violão e luzes. Jards Macalé está no palco. O poeta magistral da Música Popular Brasileira encontra o músico icônico atemporal. Parece pouco, mas Jards Macalé não precisa de muito para dar o seu recado. O artista cumprimenta o público e desanda a desfiar um colar de pérolas raras do seu vastíssimo repertório musical. Da platéia, com seus celulares, alguns registram o momento único. Outros, de olhos fixos no poeta, parecem transportados para uma dimensão que não sabemos exatamente qual. A música está no ar. O poeta fala pouco, agradece, sorri e canta. Canta Moreira da Silva, canta Noel Rosa, Vinicius de Morais e Luiz Melodia. Jards Macalé canta Jards Macalé.

Difícil mesmo é dizer que momento se constitui como o ponto alto do show, uma vez que o show inteiro é de altíssima qualidade poético-musical. Assim sendo, o público se encanta com a interpretação maravilhosa de Movimento dos barcos, Hotel das estrelas, Mal secreto e Acertei no milhar.

Eternamente vanguardista, Jards Macalé sabe muito bem como passar uma mensagem e deixar o seu recado. No ano de 1969, apresentou a música Gotham City (com Capinam), no IV Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho, a qual se seguiu uma histórica vaia. É claro que naquele momento o público não compreendia (ou não queria compreender), que a letra era uma crítica apuradíssima à situação política pela qual passava o país. Vejamos:

Gotham City (Jards Macalé)

Aos 15 anos eu nasci em Gotham city
Era um céu alaranjado em Gotham city
Caçavam bruxas nos telhados de Gotham city
No dia da independência nacional

Cuidado! Há um morcego na porta principal
Cuidado! Há um abismo na porta principal

Eu fiz um quarto quase azul em Gotham city
Sobre os muros altos da tradição de Gotham city
No cinto de utilidades as verdades Deus ajuda
A quem cedo madruga em Gotham city

Cuidado! Há um morcego na porta principal
Cuidado! Há um abismo na porta principal

Só serei livre se sair de Gotham city
Agora vivo como vivo em Gotham city
Mas vou fugir com meu amor de Gotham city
A saída é a porta principal

Cuidado! Há um morcego na porta principal
Cuidado! Há um abismo na porta principal

No céu de Gotham city há um sinal
Sistema elétrico e nervoso contra o mal
Meu amor não dorme, meu amor não sonha
Não se fala mais de amor em Gotham city

Cuidado! Há um morcego na porta principal
Cuidado! Há um abismo na porta principal


Passados quase cinquenta anos, e tendo o Brasil sofrido mais um golpe (parlamentar, dessa vez), em um claro ataque às instituições democráticas; Gotham City, embora muitos não consigam fazer a analogia, continua bastante atual, o que comprova a atemporalidade da poesia de Jards Macalé; bem como a confirmação de um estado oligárquico, indispensável para que nada mude por essas paragens tropicais. 

Além de músico, cantor e poeta; Jards Macalé também se mostrou um “vidente” ao alertar pra se ter muito cuidado, pois havia/haveria muito ódio sendo destilado; tendo em vista que hoje (como ontem) quase “não se fala de amor em Gotham City” e “há um abismo na porta principal”. 

JM & JM – Jards Macalé por Jards Macalé é um espetáculo simplesmente imperdível. Mas cuidado, Macalé! Como eles continuam não entendendo nada, você pode acabar sendo vaiado por aí!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

MARGARETH MENEZES: REBELDIA NORDESTINA

O Nordeste sentado na esquina do mapa, como dito na canção Ploft, de Belchior; observa atentamente tudo aquilo que se dá em redor. Mas o Nordeste está mesmo ali, pois como nos confidencia o mesmo grande poeta, “o Nordeste é uma ficção, o Nordeste nunca houve!”. E sobre tudo isso, o professor Durval Muniz nos diz muito em seu livro A invenção do Nordeste e outras artes (2011). No prefácio do referido trabalho, Margareth Rago é assertiva ao afirmar que “falar do Nordeste é inventariar os muitos estereótipos e mitos que emergiram com o próprio espaço físico reconhecido no mapa...”. E desde muito tempo, de Gilberto Freyre (e bem antes) a Patativa do Assaré, tem-se inventariado os inúmeros nordestes contido no (in)existente Nordeste.

Nesse sentido, a música tem sido um canal eficaz de questionamentos e proposições acerca do que é, do que se convencionou chamar e do que ainda poderá vir a ser o Nordeste.  O breve preâmbulo vem como forma de discorrermos acerca do mais recente projeto musical intitulado “Rebeldia Nordestina”, da cantora baiana Margareth Menezes, o qual acaba de ser apresentado na Caixa Cultural, na cidade de Fortaleza. A artista brindou a cidade com três apresentações ocorridas nos dias 20, 21 e 22 de janeiro de 2017. O objetivo do projeto de Margareth Menezes é apresentar aos “novos ouvidos”, cantores e compositores nordestinos, basicamente dos anos 70 e 80, que contribuíram para a formação da artista e, no mesmo sentido, ajudaram a forjar a identidade do povo brasileiro; mais especificamente do povo nordestino.

Assim sendo, com três dias de casa cheia, Margareth Menezes privilegia a música urbana nordestina ao interpretar grandes canções de nomes como Belchior, Fagner Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Novos Baianos, Zé Ramalho e Raul Seixas; entre outros (nos referimos aqui, especificamente ao show do dia 22). É, sem dúvida, um coroamento à artista que completa trinta anos de carreira no ano de 2017. A cada uma das canções apresentadas, o público respondia entusiasticamente. E olhe que não é pra qualquer um ser ovacionado, cantando Belchior na terra do próprio poeta que, como bem disse a cantora, nos faz muita falta. Mas, dona da cena e da voz, Menezes, apresenta umas das melhores interpretações de “Como nossos pais” já vistas em terras de Alencar. A cantora ainda extrapolou talento ao interpretar “Asa partida” e “Noturno”, de um Raimundo Fagner, que também deixou saudades.

A direção musical de “Rebeldia Nordestina” é de Adail Scarpelini e Théo Silva, os quais assumem, respectivamente, guitarras, violões e violas. Nino Bezerra, por sua vez, é o baixista.  O acordeon e o teclado ficam por conta de Thiago Mendes, enquanto a bateria é assunto para Tito Oliveira. O espetáculo apresentado por Margareth Menezes é daqueles capazes de encantar as plateias mais exigentes, quando o assunto é a Música Popular Brasileira. E ainda poderia ser bem melhor. Por exemplo, Thiago Mendes e seu acordeon poderiam, em determinado momento do show, serem trazidos à frente, construindo uma espécie de diálogo da voz de Menezes com o som do acordeon. Por qual razão subutilizar um “Astor Piazzolla”? O mesmo poderia ser feito com os guitarristas. O destaque dado à participação do baterista e do baixista foram momentos altos da apresentação.

E o que falta ao show “Rebeldia Nordestina”, para que seja considerado uma “perfeição”, entrando para a lista dos grandes espetáculos de 2017? Respondo. Falta uma Margareth Menezes mais “Mick jaggeriana”, solta no palco, ocupando todos aqueles espaços; usando e abusando dos seus vestidos, cabelos, vozes e cores; que lhe são tão peculiares. Na apresentação do dia 22, Margareth Menezes só assumiu o desempenho do qual sentimos falta, no final, ao interpretar “Mosca na sopa”, de Raul Seixas. Naquele momento, o palco se mostrou pequeno para a grandeza da artista. Isso, contudo, em nada diminui a excelência da qualidade do espetáculo apresentado em Fortaleza.

O show de Margareth Menezes surge em um contexto nacional de dilaceração de anseios coletivos e usurpação de direitos civis individuais, em um claudicante Brasil do pós-verdade. Dessa maneira, o sentimento de pertencimento histórico impregnado nas canções interpretadas pela cantora diz muito mais do que aparenta dizer, pois, por si só, é atual, poético, político e contestador. Assim sendo, “Rebeldia Nordestina” é um show para ser visto e revisto à exaustão. Bravo, Margareth!