quinta-feira, 29 de setembro de 2016

E OS NOSSOS ARTISTAS, POR ONDE ANDAVAM?

Walter Benjamin
Walter Benjamim diz que “o artista que não consegue tomar partido deve se calar”. Se dissesse isso nos dias de hoje, provavelmente Benjamim seria acusado de estar defendendo o patrulhamento ideológico. Seja como for, essa fala de Benjamim nos leva a pensar a respeito do posicionamento que um artista deve ter na condução das questões político-sociais do seu país. Isso me vem à mente, e me parece oportuno refletir a respeito, quando tomamos como referência os acontecimentos políticos ocorridos no Brasil nos últimos 12 anos, especificamente naqueles acontecimentos que culminaram na destituição da presidenta Dilma Rousseff.

Desde o momento que Rousseff foi reeleita, surgiram os primeiros posicionamentos que diziam coisas como “vamos sangrar esse governo até o fim”. Daí por diante, se instaurou um fortíssimo processo de desconstrução do referido governo, independentemente do respeito que deveria ter sido dado à maioria da população que foi às urnas escolher Dilma Rousseff como sua preferida para conduzir o país. Por meio de um golpe parlamentar, a presidenta teve seu mandato cassado. Favas contadas. Inês é morta! Dessa forma, não entraremos aqui, no mérito da discussão acerca da incapacidade moral daqueles que a cassaram, bem como não o faremos a respeito do posicionamento de entidades como a OAB, FIESP, os grandes conglomerados de mídia e instituições como o STF, por exemplo. Deixemos isso para os historiadores.

Há outro grupo, mais específico, sobre o qual gostaria de tecer algumas considerações, observando seu comportamento em relação a toda essa questão: os artistas brasileiros. Durante o tempo que transcorreu o processo de impeachment de Rousseff, determinados artistas assumiram posições bastante claras em relação ao que defendiam como o melhor a ser feito para o país. Embora, por razões óbvias, não se possa colocar no mesmo balaio Chico Buarque, José de Abreu, Lobão, Letícia Sabatella, Roger e Wagner Moura; esses artistas deram a cara à tapa e foram pras ruas em defesa daquilo em que acreditavam. Alguns chegaram, inclusive, a ser hostilizados, pagando um preço altíssimo pela manutenção do direito de pensar diferente.

De uma forma ou de outra, artistas assim sabem que devem ter posições mais claras em relação às decisões que são tomadas no país. Dessa maneira, se aproximam, talvez até de forma inconsciente, daquilo que afirma Walter Benjamim na citação com a qual começamos esse texto. Mas há uma pergunta que não quer calar. Durante esse embate extremamente importante para o Brasil, por onde andavam nossos grandes artistas? Será que mostrar um cartazinho com a frase “Fora Voldemort” ou, no seu show, no meio de uma música ouvir a platéia completar: “Odeio você... Voldemort”; se configura como aquilo que se espera de um verdadeiro artista? E o que dizer, quando a manifestação de artistas estrangeiros, como Danny Glover, por exemplo, foi maior e mais explícita do que aquelas vistas por aqui, com exceção de parte do elenco do filme Aquarius e do ativismo explícito Gregório Duvivier? 

Por onde andavam os “monstros sagrados” da MPB? Por onde andavam os “grandes nomes” do teatro nacional? Será que esse pessoal insiste realmente em separar a arte da vida e a vida da arte? Em que planeta vive esse povo? Longe de ser “patrulhamento ideológico” me parece que seja uma necessidade de se saber até onde nossos artistas são realmente Artistas. A impressão que fica é que boa parte dos artistas brasileiros preferiu se acovardar, não querendo correr o risco de ser “mal visto” e, garantir, assim, seus contratos para montar uma peça aqui ou cantar em um réveillon acolá.


O fato é que nessa história toda, Chico Buarque, assim como a própria Dilma Rousseff; que já eram grandes, tornaram-se ainda maiores. Politicamente alfabetizados, reforçaram a importância dos seus nomes na história do país. Quanto aos outros “artistas”, que ainda não se alfabetizaram politicamente e que não sabem que “você não pode ser neutro em um trem em movimento”, resta o consolo de ficar repetindo pra si mesmo, como mantra, que “tudo é divino, tudo é maravilhoso”. 

E por onde é mesmo que andavam  nossos artistas? Ninguém mais dá à mínima. Que descansem em paz!

sábado, 24 de setembro de 2016

LULA PODE ATÉ SER DESTRUÍDO, MAS NUNCA SERÁ DERROTADO

O ex-presidente Lula tem comido o pão que o diabo amassou. Tudo isso por ter botado na cabeça a “maldita” ideia de tirar a maioria da população pobre do país, da miséria na qual foi posta desde a conquista do Brasil. Ora, onde já viu uma coisa dessas! Nunca na história desse país alguém ousou colocar isso na prática. Executar essa tarefa foi o mesmo que “cutucar onça com vara curta” e, dizem as más línguas que no Brasil, o que não falta é onça; muitas delas descendentes de linhagens de velhas e traiçoeiras onças que vem se perpetuando não apenas pelas matas nativas dessa imensa nação, mas também por suas inúmeras cidades.

Parece-me, no entanto, que nem Lula, muito menos Dilma (haja vista ter feito sua defesa em plena cova dos leões), se deixam amedrontar por criaturas tão matreiras. Contudo, onças, leões, lobos, hienas e chacais costumam atacar em bandos, executando a estratégia de, primeiro encurralar a presa, fazendo-a sangrar, até que suas entranhas ainda quentes possam ser servidas em banquete.  

O Brasil, conforme disse o escritor angolano José Eduardo Agualusa ao www.brasileiros.com.br, no dia 19/09/2016, foi seqüestrado por um grupo de delinqüentes. A afirmação do autor de Estação das chuvas (2000) traduz não apenas a preocupação dele, mas a de milhares de outras pessoas em relação às arbitrariedades que estão se dando de forma recorrente, em diferentes situações e lugares, Brasil afora. E onde Lula entra nesse balaio de onças? pois bem. A degola do ex-presidente é exatamente a peça que falta para a finalização daquilo que muitos especialistas denominam de golpe parlamentar. Assim, a cassação da presidenta Dilma teria sido apenas um dos movimentos nesse tresloucado xadrez de insanidades e rupturas (embora negadas) democráticas. Para sua efetivação do golpe, no entanto, resta mais um movimento, o qual consiste na criminalização e, consequente cassação dos direitos políticos de Lula, com o objetivo de impedi-lo de voltar ao poder nas eleições presidenciais de 2018. Para tanto, há todo um aparato jurídico-midiático disposto a dar esse xeque-mate na combalida democracia tupiniquim.

As onças, assim como as águas-vivas, não sabem de si. Tanto umas quanto as outras estão “procurando pente em cabeça de macaco”, como se vivessem em um universo paralelo. Sobre a falta de noção das águas-vivas, deixemos que fale Aline Valek (2016). Sobre onças e chacais, no entanto, podemos demonstrar algumas convicções (sem provas, claro), a respeito do que pode vir a acontecer em um futuro próximo, no “paraíso das hienas” no qual o Brasil foi transformado.  

Enganam-se, por exemplo, aqueles que acham que a criminalização e o consequente encarceramento do ex-presidente Lula, trancafiando-o em uma das masmorras do Brasil, traria qualquer forma de paz a esse país. Muito pelo contrário. A nosso ver, é como tentar apagar um incêndio com gasolina. Lula já é enorme, e sua amplitude enquanto líder acabou por arrastar para sua órbita um grande número de anões anônimos, que jamais seriam notados, por serem inúteis, irrelevantes e ineptos. Sua visibilidade, no entanto, o transformou na “Geni da democracia brasileira”, a quem todos os medíocres querem se chegar e tirar-lhe um naco seja lá do que for.

Terminada essa vergonhosa novelinha de horrores, feita para engabelar os incautos, poucos serão aqueles que resistirão ao julgamento da história. Alguns já vão ficando pelo caminho, sufocados pelo vômito da sua própria mediocridade. Pedir, por exemplo, para que se esqueça o que uma vez se escreveu, é desnecessário quando já se está naturalmente esquecido, politicamente decrépito e moralmente desacreditado. 

Nelson Mandela (1918 – 2013) foi condenado e preso por quase trinta anos, por defender seu povo contra o regime segregacionista do Apartheid. Hoje, o mundo todo sabe quem foi Mandela, mas poucos são aqueles que sabem o nome do juiz que o condenou ou quais eram os membros da Suprema Corte Sul Africana, que lavaram as mãos enquanto seus direitos eram negados. E o que dizer de Liu Xiaobo, ativista da Praça da Paz Celestial, vencedor do Nobel da Paz de 2010, mantido preso e incomunicável, em Pequim? Qual o nome daquele que o condenou?  Em que lixeira da história foram parar aqueles que, respaldados pelo mais perfeito funcionamento das instituições, tolheram sua liberdade? Não sabemos sequer seus míseros nomes.

Lula é um homem da estirpe de Mandela e Xiaobo, pois é maior do que qualquer um dos seus detratores; não podendo ser contido pelas grades de uma cadeia. A contínua batalha de Lula em defesa da democracia brasileira, nos lembra de Santiago, o pescador de O velho e o mar (1952), de Ernest Hemingway (1899 – 1961),  em sua luta sobrehumana para impedir que os tubarões devorassem o peixe que pescara.  Em um determinado momento da narrativa, Santiago diz em voz alta: “mas o homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado” (HEMINGWAY, 1980:91). 

Lula é um desses santiagos que brotam mundo afora e, independentemente da maneira como tubarões e chacais o ataquem, jamais conseguirão derrotá-lo; pois quanto mais se persegue homens como Lula, mais eles crescem. Dessa forma, assim como o personagem hemingwayniano, Lula pode até ser destruído, mas nunca será derrotado. Aos medíocres, resta aceitar e viver com isso, pois para homens como Lula, a glória. Para outros, os pequenos, a lata de lixo da história ou, no máximo,  referências em notinhas de rodapé que serão apagadas pelo tempo. Nada além. 


terça-feira, 20 de setembro de 2016

O FESTIVAL DE BESTEIRAS QUE ASSOLA O PAÍS

FEBEAPÁsignifica Festival de Besteiras que Assola o País e dá nome ao primeiro livro, de uma série de três, escrito por Sérgio Porto (1923 – 1968), cujo pseudônimo era Stanislaw Ponte Preta. A criação do FEBEAPÁ foi uma maneira encontrada pelo autor, para criticar a ditadura civil-militar instaurada no Brasil de então. A partir de notícias veiculadas nos meios de comunicação da época, Sérgio Porto simulava “notícias” isentas de verdade, como forma de ridicularizar as decisões tomadas pelos golpistas; como, por exemplo, aquela que determinava a prisão de Sófocles, morto há séculos, tendo em vista serem seus escritos e, consequentemente a encenação de suas peças, considerados subversivos e, logo, uma clara forma de atentado ao pudor e aos bons costumes da família brasileira.

Sérgio Porto morreu no ano de 1968, mas o FEBEAPÁ continua, como se diz lá no Nordeste, truando. Tem-se, inclusive, a impressão de que as besteiras observadas por Sérgio Porto em sua época, se mantiveram, se nutriram e deram infinitos filhotinhos, amamentados com o leite da mais pura estupidez. Estupidez, ignorância e burrice em um país onde muitos “pensam” o que as elites querem que eles pensem, constitui-se em uma bomba de altíssimo poder de destruição. E em meio aos tantos absurdos que pululam no nosso cotidiano, acredito que não seria má ideia a recriação, com toda pompa e circunstância, do FEBEAPÁ, versão pós-moderna. A televisão poderia, inclusive, colocar na sua grade de programação; transmitindo alternadamente entre os programas de música e de cozinheiros. Com um pouco mais de vontade, poderia ser criado até uma espécie de FEBEAPÁ kids. Seria uma competição pau a pau com as festas “literárias” feitas pra rico ir e se achar intelectual.

Para um novo FEBEAPÁ não faltam assuntos. Uma breve leitura nas notícias pela Internet (não sugiro os grandes jornais, pois eles já produzem e comercializam suas próprias besteiras. Nesse caso, seria uma concorrência desleal; o que comprometeria a lisura do Festival) já nos permite perceber quanta besteira tem sido dita, escrita e publicada (esse blog está querendo dar sua modesta contribuição) nesse país. Meu povo, é muita besteira pra pouca gente!

Não precisamos ir muito longe, para detectarmos algumas pérolas. Entre tantas, encontramos: “Não somos racistas”; o importante mesmo é a “escola sem partido”; “Chega de Paulo Freire”; “Intervenção militar já”; “Sou mais honesto que Jesus Cristo”; “Não tenho provas, mas tenho convicção”; “Mais Mises, menos Marx”; “estupra, mas não mata”; “rouba, mas faz”; “Não tenho provas, mas a literatura me permite condená-lo”; “Tchau, querida”; “são 30 ou 40 pessoas que gostam de quebrar carros”; “Essas vaias são pra Dilma”; “Isso nunca me aconteceu antes”; “Somos milhares de Cunha”; “As instituições estão funcionando plenamente”; “A Argentina faz parte dos BRICS”; “O New York Times foi pago pelo PT”; “Quero saudar a mandioca”; etc, etc, etc e tal.

Como podemos observar, a recriação do FEBEAPÁ (recriação oficial, uma vez que na prática ele nunca deixou de existir) seria muito bem vinda e poderia ser incluída como data oficial no calendário brasileiro. Trata-se aqui, é claro, de uma modesta proposta. O problema, no entanto, é a dificuldade de se registrarem as ocorrências, tendo em vista a produção de besteiras nessas terras abaixo da linha do Equador ser constante e ininterrupta. Mas, como “Deus é brasileiro” (ops!), tudo pode ser possível. Viva o FEBEAPÁ! Viva a convocação da artista Tomie Ohtake, morta em 2015, para depor na CPI da Lei Rouanet, em 2016.




sábado, 17 de setembro de 2016

ELEGIA-QUASE PARA EDWARD ALBEE

Há autores que, por sua força da sua imaginação criadora (e criativa), conseguem produzir textos que são capazes de nos fazer, enquanto leitores, dançar ao som seco e cortante das suas palavras. Parece que batem palmas para doidos dançarem, eles mesmos tão doidos quanto nós, mortais.

Entre os muitos autores abençoados com o saudável dom dessa loucura, podemos citar Samuel Beckett, Allen Ginsberg, Pagu, Edward Albee, Eugène Ionesco, Keith Richards, Marlon Brando, Frida khalo e, é claro, o maluco-beleza-mor, Raul Seixas; entre inúmeros outros doidinhos e doidões que tornaram esse mundo menos vil, por meio da seríssima e contundente “porralouquice” das suas palavras e ações no jardim das delícias das nossas insanidades cotidianas.
Edward Albee

Hoje, infelizmente, um dos meus malucos favoritos teve que partir. Passados 88 anos, compartilhando conosco seus maravilhosos trabalhos literários, o vencedor de três prêmios Pulitzer de drama (eu disse três!), Edward Albee (1928 – 2016), morreu nesta sexta-feira, 16/09/16, de doença não divulgada. Algum tempo atrás, quando soube que teria que se submeter a uma delicada cirurgia, Albee fez questão de deixar registrada uma mensagem, a qual só deveria ser divulgada quando morresse. Chegado o dia, eis a mensagem: “A todos vocês que fizeram minha vida tão maravilhosa, excitante e plena, meu agradecimento e todo meu amor”. E ele disse isso como se fosse ele, e não nós, que tivesse que agradecer!

Entre os principais trabalhos de Edward Albee estão as peças A história do zoológico (1959) e Quem tem medo de Virginia Woolf? (1962).  Nessas peças, e nas mais de trinta outras que escreveu (a maioria de caráter psicológico), Albee toma a classe alta da sociedade norte-americana como material de construção dos seus textos, enfocando as neuroses observáveis no homem do século XX. Dessa forma, são recorrentes em seus trabalhos, o vício e os problemas decorrentes do álcool, as relações matrimoniais, a religião, a família, a ganância e a ambição; entre outros.

O texto dramatúrgico de Albee mantém estreita aproximação com aqueles do teatro do absurdo, principalmente no que diz respeito aos usos que faz da língua, bem como da acídia resultante da mistura do cômico com o trágico. A obra de Edward Albee é, assim, referência obrigatória não apenas para a compreensão do drama norte-americano, mas para o teatro universal como um todo, uma vez que as temáticas abordadas por ele são tanto universais quanto atemporais.

A partida de Edward Albee deixa uma lacuna na dramaturgia norte-americana, que ainda deverá levar muito tempo para ser preenchida á altura. Com as mortes de Artur Miller e Tennessee Williams, Albee surgiu e se manteve como o grande sucessor do talento dos dois. Com sua ida, quem o sucederá em qualidade? Está posta a questão.

Pois é! Edward Albee partiu. E agora, quem vai bater palmas pra gente dançar?