quinta-feira, 26 de março de 2020

A PRIMEIRA PILHA DE CADÁVERES A GENTE NUNCA ESQUECE


O número de mortos pela pandemia do Coronavírus não para de crescer. Os números são alarmantes. Na verdade, assustadores. Enquanto os homens de terno e gravata discutem como salvar a economia, as pilhas de cadáveres vão se amontoando. Pra que perder tempo pensando como salvar essa gente preta, pobre e periférica? Esse pensamento estapafúrdio, que dominou as discussões políticas na Itália ainda no início da pandemia, acabou por transformar o território italiano numa espécie de terra devastada. Lá, a morte fez sua morada. Os velhos foram abandonados para morrer e, tenta-se desesperadamente salvar o restante da população.

A quantidade de mortos produzidos pela ambição neoliberal aliada à estupidez humana e à incompetência política já se aproxima da quantidade de mortos comum somente durante as grandes guerras. Como se não bastasse, tais fatores encontraram campo fértil num período de movimentos nonsense, como a defesa do terraplanismo e os movimentos antivacinas, assim como o ressurgimento de líderes fascistas no mundo inteiro. Essa mistura explosiva, obviamente, não poderia resultar em nada de bom que se pudesse aproveitar. É o resultado da saída do esgoto de todo tipo de criatura que só consegue viver nas sombras. À luz, tornam-se ácidas, violentas e perigosas por seu caráter naturalmente destrutivo. Nada de positivo lhes é observável. Vivem no ódio e dele se alimentam. São tóxicas e infecciosas. E assim o são por serem medíocres, incapazes e incompetentes.


A Balsa da Medusa (Le Randeau de la Méduse), de Théodore Géricault


E foi exatamente isso que ocorreu no Brasil pós golpe de 2016, tendo sido alçado ao poder um grupo de pessoas completamente despreparadas para lidar com o ambiente democrático, pautando-se por disseminar notícias falsas e perseguir opositores. Em pontos estratégicos da República foram colocados meros patetas bajuladores e incompetentes. Se não me falha a memória, até guru tem. Imagine você, caro leitor, que coisa mais bizarra. No que tudo isso poderia resultar? O momento de maior comprovação do erro que foi jogar o país nesse abismo, infelizmente se dá justamente agora, em meio a pandemia apocalíptica que se espraia por sobre o mundo e ameaça varrer a humanidade da face da terra, redonda, por sinal.

Repetindo os primeiros erros cometidos pela Itália, o presidente do país sugere que a população ore bastante, pois o deus dele proverá. Afinal, deve “pensar” ele: “Deus é brasileiro”. Seria louvável que o senhor presidente ficasse em seu palácio, orando em família, e deixasse os cientistas trabalharem na tentativa de impedir o genocídio que se aproxima. Mas não, lá está vossa excelência em cadeia de rádio e televisão vomitando os maiores absurdos acerca dos cuidados que se deve ter no que diz respeito a contaminação por Coronavírus. O pronunciamento do senhor presidente foi, no mínimo, criminoso. Contudo, ele e seus asseclas continuam a desafiar as Instituições da  República que, com exceção de um ou outro nome, já demonstraram ter se acovardado. Quando se disse que a eleição de alguém com o perfil autoritário, irresponsável e incompetente do atual mandatário empurraria o país para o caos, ouviu-se com frequência que as Instituições brasileiras eram sólidas e serviriam de freio e contrapeso a qualquer arroubo de autoritarismo que pudesse advir do referido político. Como se vê, essa foi apenas mais uma daquelas historinhas para enganar incautos e bovinos em geral. 

A praga bate à porta. Em breve, muito em breve, começarão a se amontoar cadáveres. As janelas batem panelas para ouvidos moucos. Agora é tarde. É preciso salvar a economia, dizem os fascistas ricos e inconsequentes. Agora é tarde, não adianta ler Camus. E os pobres? Fodam-se. Diria aquele general. Dizem, não quero crer, que o Ministro da Saúde sugeriu chá, canja de galinha e oração para conter a contaminação. Temos um Nobel de medicina a caminho, quem diria. As igrejas estão abertas. Deus proverá.  Após se amontoar a primeira pilha de cadáveres, resultado de aglomerações em missas e cultos, algum padre ou pastor pedirá perdão. Será tarde. Empresários pressionam os governadores e prefeitos a abrirem o comércio. É preciso lucrar. Lucrar sobre cadáveres. “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Afinal, serão apenas 5 ou 7 mil mortos. Todos velhinhos? Cem restaurante chiques não valem a vida do meu pai de oitenta anos.

Depois da primeira pilha de cadáveres já será tarde demais. Quem viver, verá. 

Parabéns aos envolvidos.

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