segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Carta aberta de Valter Hugo Mãe a Marcelino Freire: "Não deixe que acabem com a maravilha do Brasil".

MEU CARO AMIGO
Marcelino, tenho medo de voltar ao seu país porque cresci relutante para ser adulto e sei que me mantenho em tantas coisas apenas uma criança. Julgo que saio à rua ainda com a alegria de encontrar alguém com quem, de algum modo, possa pressentir a alegria que existia quando estávamos apenas a brincar. Eu não sei estar sozinho. Não aprecio a solidão, gosto das pessoas e não há como curar minha natureza para gostar delas. Mas agora tenho medo do seu país que eu amo. Fiquei toda a vida sonhando ser português e brasileiro, para pertencer a Machado de Assis e Fernando Pessoa. Sonhei que meu orgulho teria papel passado, como quem casa consciente, dedicado, de amor profundo, para toda a eternidade. Eu não previ este medo. Fico desolado.
Estão proibindo as pessoas de serem negras, Marcelino, proibiram de ser mulheres, Marcelino, agora decidiram proibir de ser criança e eu sabia que haveria alguma coisa que ainda me pegaria. Por isso, há muito que eu já brigava pelos negros e há muito que eu já brigava pelas mulheres, eu já brigava pelos viados todos e pelas pessoas sem explicação, tanta gente que só é, sem ter muito como entender ou fazer entender, e quer apenas estar em paz. Eu dei de barato tanta coisa sobre a paz que talvez tenha esquecido de estudar corações, o verdadeiro lugar da guerra. Sou muito despreparado. Passei pelo tempo buscando o deslumbre e vi a melhor versão de cada instante, não vi que medravam no escuro as piores intenções, os ódios que inviabilizam a humanidade. Eu, sinceramente, não vi, Marcelino.
Caminhei nessas ruas todas, tantos Estados, tantas capitais, e eu não dei conta desse ódio. Notei os sorrisos, o samba, o jeito generoso das garotas e de alguns garotos olhando para minha pouca beleza, eu notei os livros, tanta Literatura maravilhosa e a obra do Tunga e Artur Bispo do Rosário bordando as vestes para alindar seu encontro com Deus. Marcelino, no Brasil eu senti invariavelmente que Deus era possível. Sabe quando você se depara com algo perfeito e isso só pode ser graça de uma inteligência superior? Eu vi uma arara azul gigante, devia ter mais de um metro, e ela era mesmo um atributo mágico do mundo, estava livre no cimo de uma árvore na floresta amazônica.
Naquele encontro, eu consumei tudo, Guimarães Rosa e Elza Soares, Tarsila do Amaral e Fernanda Montenegro mais Marília Pêra e Walter Salles, e Darcy Ribeiro mais Heitor Villa-Lobos, e Cartola com Cildo Meireles e Adriana Varejão. Mais Gal Costa e Mônica Salmaso e Paulo Freire lendo a mão de Chico César genial. Eu entendi que Brasil significa beleza e uma profunda esperança. Juro. Parecia uma experiência mística, como se algum espírito me informasse e eu virasse um mensageiro sagrado. Eu elogiei o Brasil em todas as ocasiões porque eu acreditei, e acreditei que minha mensagem era sagrada. Você acha que um espírito me enganaria? Viria sobre mim de propósito para me iludir?
Marcelino, eu não consumei minha adultez, sou apenas um menino, fui sempre ao seu país para encontrar mais amigos e brincar um pouco de ser feliz. Lembra de gostarmos tanto de Manoel de Barros? Eu sei exatamente a razão de gostar tanto da poesia de Manoel de Barros. Ele usa pássaro e amigos e seus versos foram os melhores brinquedos. Minha história é rigorosamente igual. Não tinha muito mais. Pais, irmãos, amigos, os pássaros voando, versos. O lugar de guardar tudo é o verso. O único sentido de ter verso é amar gente e cuidar de pássaro livre.
Estão atirando sobre as crianças e alguém me diz que apenas as negras, são apenas as crianças negras, mas eu duvido que parem por aí. Nós, as crianças mais claras não estamos na linha do tiro? Nem que seja por vergonha, vamos morrer também se não dissermos nada, se não fizermos nada. E se as crianças negras viraram proibidas, que legitimidade teremos nós? Sabe, Gilberto Freyre explicou tão certinho que os portugueses são os mestiços da Europa. Eu tenho sangue árabe, africano e europeu. Sou uma porção de cada coisa e minha pena é não lembrar, só minhas células sabem.


Você sabe a razão para rejeitarem os negros para as periferias? Eu não descobri. As casas do centro não têm tamanho para negros? Eles são maiores? Aumentam quando dormem? Quando sonham? Ficam derrubando paredes, perigando as fundações dos prédios? Eu acho que não. Eu vi um moço entrando na livraria à minha frente, coube na porta melhor do que eu. Você acha que tem alguém obrigando a que ele corra para a periferia depois de pagar o seu livro? Eu não posso acreditar. Que pena que eu não falei com ele, devia ter perguntado. Talvez me contasse de como fica infinito sonhando, ao ponto de perturbar o silêncio, tremer o prédio, causar fumo. Você já pensou se nossos sonhos também fizessem isso? Eu ia querer, Marcelino. Eu ia querer que meus sonhos fossem tão grandes. Mas sonho só com a paz. Estar sossegado com minha família e meus amigos. Notar os pássaros voando.


Marcelino, façamos uma jura de não morrer durante o plano de nos matarem. Não somos senão ternuras gigantes, guerreiros açucarados, eu entendi que nós precisamos de um pacto poético para embravecer nossa cidadania. Você, que é meu amigo e escritor que tanto admiro, não me falte nunca desse lado. Cuide de Chico Buarque e de Caetano Veloso, por favor, em qualquer cabeça sã do mundo eles representam o Deus possível. Cuide de Maria Bethânia. De Sônia Braga. Diga a Davi Kopenawa e a Ailton Krenak que a floresta vai sempre amá-los, diga que a arara me garantiu. Marcelino, fico ouvindo Rodrigo Amarante e quase ainda acredito em tudo outra vez (Rodrigo é perfeito. Poderia ser a própria arara). Quase perco o medo. Vista também sua roupa de super-herói e sobreviva. Você tem de manter a maravilha do Brasil. Não deixe que acabem com a maravilha do Brasil. Se resistirmos, nossa delicadeza vai ser uma lição resplandecente, e vamos ficar mais belos que os modelos nos filmes gringos. Vamos, sim, Marcelino.
Haveremos de devolver o futuro às crianças. E seremos sempre futuros também. Só quem desistiu passou a ocupar seu canto no passado. Marcelino, reassumo meu compromisso com a esperança. Vou escolher sempre minha vida como lugar de semente. No meu medo, Marcelino, muita coragem vai germinar.

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The Cambridge Companion To The Rolling Stones, edited by Victor Coelho and John Covach


         An academic study of the Stones is tone-deaf both to the band’s music and their mystique


North American academia is currently all over pop culture. A course on Lady Gaga (Sex, Gender and Identity) offered by the University of Virginia is one example of what’s going on; another is the recent slew of tomes on the Beatles, Dylan and even the Clash emanating from campus corridors. Most shed little light on their already well-covered subjects (Why Dylan Matters by Harvard Latin don Richard F Thomas is an exception), and this self-styled “first major academic study” of the Stones likewise comes up short. The group have had many companions down the years, but surely few as dull.

The dead hand of academic prose is one problem; the assertion that the band’s assorted documentaries are “instructive in terms of demonstrating the central influence of the Stones within the world of motion pictures” is barely readable (and a clear misjudgment).

Another poser for the profs is that pop is rarely about music alone. Attitude, vibe, haircut, mascara, madness and live performance are potent ingredients of a mystique best captured by allusive, not analytical writing. That goes double in the case of the Stones whose core mythology is Mick Jagger as ambi-sexual demon Jack Flash with Keef and Ronnie as genial guitar-toting pirates holed up with a kif pipe, a line and a lamp draped in a Tibetan prayer shawl. Try getting a module out of that. Describing Jagger’s place as frontman – a veritable dervish, as much athlete and bump’n’grind artiste as musician – we’re told that his “lithesome dancing” involves “repeated Latin pelvic thrusts”. No shit, Sherlock! Who knew? (About Mick’s Puerto Rican heritage, that is.)
The collection is on firmer ground when considering the Stones on record. There’s an entertaining look at a clutch of Stones country songs (Dead Flowers et al), a decent reassessment of their psychedelic period (Jumpin’ Jack Flash as well as Their Satanic Majesties Request) and a welcome upgrade for Brian Jones as founder, world music maverick and the group’s true dandy.

The couple of pages granted the Stones’ 60s singles are woefully inadequate. Songs such as Mother’s Little Helper and Play With Fire are more than reflections of “mod London”, they are vignettes of a society in transition, when depressed mums took up pill habits and St John’s Wood heiresses rubbed shoulders with pop stars and celebrity gangsters.


Most of the book’s firepower is directed at the central album quartet of Beggars Banquet (1968), Let It Bleed (1969), Sticky Fingers (1971) and Exile on Main Street (1972), all given sound but pedestrian readings, with much cooing over Mick Taylor’s guitar solos. Since then, the Stones have barely made a coherent album, though the Companion is excited by the disco influences on 1978’s Some Girls. There is, naturally, oodles about the blues, a subject already well represented in faculty libraries, though scant mention of the Stones’ epiphanic encounter with Muddy Waters at Chicago’s Chess Studios in 1964. Of the strong reggae flavours on 1970s albums like Black and Blue there is also no word.

Given that today’s culture wars are waged with particular vigour on North American campuses (sex, gender and identity indeed), one might also have expected a discourse on the place of women in Stones songs, the offending (to some) litany running from Stupid Girl and Under My Thumb to Brown Sugar and Some Girls, but the sole female voice among the nine here is otherwise engaged. The question why anyone would want to write a song celebrating a serial killer of women (Midnight Rambler) doesn’t arise; maybe it’s just what Richards calls “a blues opera”.

It’s difficult to understand the crossfire hurricane that propelled the Stones during their 1968-72 pomp without considering Performance (1970), a glaring omission here. True, the film and its soundtrack are not a Stones venture, yet writer Donald Cammell’s tale of faded pop star (Jagger) and East End gangster (James Fox) remains, in the words of Marianne Faithfull, a perceptive real-life Stones companion, “an allegory of libertine Chelsea with its baronial rock stars, wayward jeunesse dorée, drugs, sex and decadence… a whole era under glass”.

Shot through with esoteric ideas, Performance built on Jagger’s infatuation with his dark side, apparent since Sympathy for the Devil (or “some little twerp dancing round thinking he’s Satan”, according to Ry Cooder, a player on Let It Bleed and Performance). Jagger’s character, Turner, is an amalgam of Jones and Richards, a matrix compounded by leading lady Anita Pallenberg, Richards’s then partner (and Jones’s ex). Keith and Anita’s descent into junkiedom was among what Faithfull terms the film’s “deadly aftereffects”. Surely worth a doctoral thesis, then?

The Stones’ attitude to academia was mocking rather than hostile. Mick, Keith and Brian were all ex-grammar school boys, respectively LSE undergrad, art-school dropout and trained musician. An early interviewer was perplexed by how such fine educations could result in their moronic reputation. “There are a lot of morons in grammar schools,” shot back Mick.

This review is from the Observer

• The Cambridge Companion to the Rolling Stones, edited by Victor Coelho and John Covach, is published by Cambridge University Press (£15.99). To order a copy go to guardianbookshop.com or call 0330 333 6846. Free UK p&p over £15, online orders only. Phone orders min p&p of £1.99



sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Refrigerante e política: Pepsi, Coca-Cola e segregação racial

Por Luis Gustavo Reis
Pragmatismo Político
20 de setembro de 2019


O título do artigo pode soar estranho à primeira vista, até porque qual seria a relação de uma bebida açucarada com um sistema político? A propósito, de qual segregação racial estamos falando? Um pouco mais de paciência, caro leitor, já iremos colocar os pingos nos is, ou melhor, fechar as garrafas com suas respectivas tampas.

Muitos já tomaram ou tomam refrigerante com regularidade. De variadas cores e sabores, o gaseificado é um dos produtos mais consumidos do mundo. Calcula-se que a indústria de refrigerantes bateu recordes em 2017, com faturamentos que ultrapassam 61 bilhões de dólares. Cerca de 28% dessa quantia é originada da bebida mais vendida, a Coca-Cola. O segundo lugar no ranking, ostentando 10%, é ocupado pela arquirrival Pepsi.

A relação do ser humano com águas gasosas é antiga, remonta ao século IV a.C. Nesse período, Hipócrates, considerado o pai da medicina, recomendava aos gregos banhos regulares em águas minerais gasosas para curar determinadas moléstias. Encontradas em diferentes regiões da Grécia antiga, os enfermos não tinham dificuldades em esbaldar-se em alguma fonte que cruzassem pelo caminho. A prescrição, porém, era circunscrita ao banho e não era indicada ingestão.

Somente no alvorecer do século XVI que a água gasosa passou a ser ingerida e popularizada em diferentes regiões da Europa. Devido à grande demanda pelo líquido, que, à princípio, era extraído de fontes naturais do vilarejo de Spa, na Bélgica, diversos alquimistas passaram a pesquisar formas de recriar o produto artificialmente.

Por volta de 1773, depois de sucessivas tentativas, estudiosos desenvolveram uma bomba que fixava gás carbônico à água. Daí até a industrialização do produto foi um salto, sobretudo porque coincidiu com a Revolução Industrial que avançava a passos largos. Passado o tempo, algumas pessoas acrescentaram açúcar, raízes e frutos à água, tais como gengibre e limão.

O invento atravessou o oceano e chegou aos EUA, onde muitas farmácias ostentavam em seus balcões uma bomba que gaseificava a água instantaneamente, deixando ao gosto do freguês o sabor que desejava provar. A bebida que fazia mais sucesso era a “soda”, como ficou conhecida a mistura com limão.

Refrigerante e medicina, portanto, sempre andaram juntos. Como o produto foi desenvolvido por químicos e tinha finalidades medicinais, sua comercialização ocorria principalmente em farmácias. E foi numa dessas boticas, nos últimos anos do século XIX, que surgiu a Coca-Cola, o refrigerante mais popular do planeta.

Símbolo da harmonia familiar e da fraternidade universal, conforme versam seus comerciais desde tempos remotos, a Coca-Cola surgiu num país segregado, cindido por leis racistas. A abolição da escravidão nos Estados Unidos, em 1863, não foi suficiente para a população negra ser integrada à sociedade em condições de igualdade. A ideia de superioridade do homem branco – defendida por diversos cientistas do século XIX – deu suporte para que, em diversos estados norte-americanos, fossem aprovadas leis de segregação racial. Tais leis determinavam onde os negros deveriam morar, estudar, trabalhar e os lugares que poderiam frequentar. Havia segregação nos meios de transporte, espaços públicos e muitos estados proibiam o casamento entre negros e brancos. A indústria de refrigerantes também foi afetada por essa atmosfera e calculou precisamente de qual lado estaria e os lucros que iria auferir.

Não é novidade que a cocaína era um dos ingredientes da Coca-Cola (daí o nome “Coca”, inclusive), item que já foi até objeto de chacota em comerciais de seus concorrentes. Em 1899, a Coca saiu das farmácias, passou a ser vendida em garrafas de vidro e já não era mais uma bebida medicinal, mas um produto “refrescante”.

Mas a história polêmica e pouco conhecida ocorreu quando os negros começaram a consumir o refrigerante, no começo do século XX, e foram sistematicamente hostilizados pelos brancos. Protestos foram organizados, cartas, reclamações e ofícios enchiam o serviço postal de membros do governo e diretores da Coca para que proibissem imediatamente a venda e a distribuição do produto em redutos da comunidade negra estadunidense. Segundo os reclamantes, ao consumirem Coca-Cola, os negros poderiam viciar na cocaína contida no refrigerante e passar a aterrorizar, espancar e matar a população branca. Os jornais de Atlanta alarmavam, por exemplo, que assaltos aumentariam, sequestros seriam frequentes e mulheres brancas sofreriam estupros cotidianos.

Ante ao pandemônio, a Coca-Cola retirou a cocaína da fórmula e passou a usar folhas de coca já processadas – sem a droga inserida – e inseriu mais açúcar e cafeína. Além disso, proibiu a venda do produto em estabelecimentos frequentados por negros. Os marqueteiros da empresa, fieis defensores das leis segregacionistas, aproveitaram o ensejo e criaram campanhas publicitárias para enaltecer a população branca e proibir o consumo pelos negros.

Movida por interesses financeiros, aproveitando a abertura de um mercado promissor refutado pela concorrente, a Pepsi-Cola, que ainda engatinhava em suas atividades, e apostava num refrigerante mais adocicado, vendido em vasilhames maiores pelo mesmo preço, intensificou sua publicidade e passou a distribuir fartamente a mercadoria em comunidades negras.

Entre 1940 e 1950, a Pepsi adotou uma nova estratégia de marketing: formou uma equipe de profissionais negros, cujo objetivo era criar estratégias que atraíssem e estimulassem o consumo dos afro-estadunidenses. O programa ficou conhecido como “mercado negro”.
Vendedores negros, todos eles uniformizados com as cores e o distintivo da empresa, passaram a perambular pelas ruas do chamado Cinturão Negro do Sul (Black Belt) e em áreas urbanas do Norte do país onde se concentrava a população afro para oferecer o refrigerante.

Além disso, modelos negras perfilavam nas propagandas; mostruários personalizados e cartazes eram fixados em lojas frequentadas por negros. Até mesmo o famoso compositor de Jazz, Duke Ellington, e o diplomata, mais tarde Prêmio Nobel, Ralph Bunche, ambos negros, foram contratados como porta-vozes da empresa.

A campanha era tão feroz, que funcionários da Pepsi passaram a divulgar mensagens de cunho racista proferidas por Robert W. Woodruff, o então presidente da Coca-Cola.
O resultado da empreitada foi exitoso, pois muitas pessoas passaram a associar a Pepsi aos negros e o consumo do refrigerante disparou.

Durante a década de 1950, as vendas da Pepsi aumentaram vertiginosamente, acabando por ultrapassar a Coca-Cola na comunidade negra com uma margem de três para um. Anos mais tarde, a estratégia da empresa seria conhecida como “publicidade de nicho”, uma abordagem para criar um lugar distinto no mercado – técnica usada hoje por diversas empresas.

A lua de mel entre a Pepsi e os negros tinha prazo de validade. Temendo perder consumidores brancos, a empresa decide suspender o programa e passa a investir numa imagem moderna, descolada e ligada ao público jovem, valorizando a integração e diversidade das pessoas que participavam de suas campanhas.

Tempos mais tarde, sem muito alarde, a Coca passa a vender seu produto nas comunidades negras. Num esforço para desassociar a imagem racista do passado, começa a apoiar organizações estadunidenses que promovem a valorização do negro, entre elas Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês), fiel defensora da multinacional e uma das maiores entusiastas de seus programas sociais.

No ano 2000, após funcionários denunciarem racismo no interior da empresa, a Coca fechou um acordo judicial no valor de US$ 156 milhões de dólares e doou US$ 50 milhões para a Fundação Coca-Cola apoiar programas comunitários, vários deles em vigor no Brasil.

Atualmente, não há divisão entre os fabricantes de refrigerante pelo critério racial. Negros estadunidenses, inclusive os que moram no Sul, figuram entre os maiores consumidores de Coca-Cola do país. A maior parte deles, vale destacar, não conhece ou pouco se importa sobre a relação da marca de refrigerante com a segregação racial.

Resgatar essa história não tem o objetivo demonizar a Coca-Cola e valorizar a Pepsi, mas sim de servir de reflexão. Empresas são movidas por interesses, seus operadores tem faro oportunista e onde há cheiro de lucro, lá estão os sabujos para lamber o butim.



DISCURSO INÉDITO DE MARIELLE FRANCO


No dia 27 de março de 2018, é a votação do Plano Municipal de Educação, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O plano estabelecerá as diretrizes da educação e suas prioridades no Rio nos próximos 10 anos.

O discurso de Marielle já estava sendo feito antes de ser assassinada e a equipe do mandato Marielle Franco disponibilizou o texto. O companheiro Tarcísio Motta irá lê-lo no Plenário, durante a votação.

No Brasil inteiro, a educação vem sofrendo um boicote por uma ideologia da intolerância e do desrespeito, principalmente em relação à igualdade de gênero. Não está sendo diferente aqui no Rio. Estão tentando retirar a palavra "gênero" do Plano para que não haja o debate nas escolas sobre igualdade entre homens e mulheres, meninas e meninos.

Confira o discurso que Marielle iria fazer. 

"Boa tarde à todas e todos,

O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo.
Os números são assustadores: em 2016, foi registrada uma violência contra mulher a cada 5 horas no Estado do Rio de Janeiro.

Mas também sabemos que estes números são apenas de parte das mulheres que conseguiram, de algum modo, buscar auxílio e denunciar.

E eu pergunto à vocês: seguiremos nos recusando a falar sobre igualdade de gênero? Até quando?

O debate sobre a nossa igualdade é urgente no mundo, no Brasil e no município do Rio de Janeiro!

Enfrentar este debate é nos comprometermos com a democracia e com nosso avanço civilizatório.

Falar de igualdade entre mulheres e homens, meninas e meninos, é falar pela vida daquelas que não puderam ainda se defender da violência. E são muito mais das 50.377 registradas em 2016, aqui, no Rio.

Diferente do que se fala ou, infelizmente, do que se acostuma ver em Casas Legislativas, como esta, não somos a minoria. Somos a maior parte da população, ainda que sejamos pouco representadas na política.

Ainda que ganhemos salários menores, que estejamos em cargos mais baixos, que passemos por jornadas triplas, que sejamos subjulgadas pelas nossas roupas, violentadas sexualmente, fisicamente e psicologicamente, mortas diariamente pelos nossos companheiros, nós não vamos nos calar: as nossas vidas importam!
No Brasil, segundo o IPEA (2016). As mulheres negras brasileiras ainda não conseguiram alcançar nem 40% do rendimento total recebido por homens brancos. E somos nós, mulheres negras, que mais sofremos violências diariamente.

Só quem acha que isso é normal é quem não sofreu no corpo o machismo e o racismo estrutural. Quem acha que isso não merece ser debatido na nossa educação é porque se benefecia das desigualdades.

Por isso, quero deixar registrado que essa Casa, ao retirar os termos “gênero”, “sexualidade” e “geração”, fortalece a continuidade de desigualdades e violências dos mais diversos tipos.

Hoje falamos do principal plano para desenvolvimento social do nosso município: o Plano Municipal de Educação. Este plano merece que tenhamos compromisso e responsabilidade.

O termo “gênero” começou a ser utilizado como categoria de análise a partir de 1970 com o objetivo de dar visibilidade às desigualdades entre homens e mulheres. Logo, tanto na origem da sua criação, quanto no uso corrente em debates sobre a superação das desigualdades, falar de “gênero” tem como finalidade promover a devida atenção e crítica das discriminações sofridas pelas mulheres, e tentar achar meios para que todas e todos possamos juntos enfrentar este cenário.

Desde quando falar sobre uma opressão, que gera tantas mortes, é falar sobre alguma doutrinação?

Se dizem tanto a favor da vida, então deveriam ser a favor da igualdade de gênero. E só se promove igualdade através de uma educação consciente e do debate com nossas crianças, para que se tornem adultos melhores.
Por isso, como parlamentares responsáveis pelas cidadãs e cidadãos dessa cidade, devemos defender o debate na educação!

Se é da escola que nasce o espaço público que queremos, é indispensável que se fale de igualdade de gênero sim! Que se fale de sexualidade, de respeito, de laicidade, de racismo, de LGBTfobia, de machismo. Pois falar sobre estes temas é se comprometer com a vida, em suas múltiplas manifestações. É se comprometer com o combate à violência e a desigualdade!
É mais do que urgente que esta casa não se cale sobre as vidas que são interrompidas dia-a-dia neste Município.
Falar de igualdade de gênero é defender a vida!"

Marielle vive!



quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Bacurau e a síntese do Brasil brutal, por Ivana Bentes


Por Ivana Bentes
Revista Cult
29 de agosto de 2019



Há algo de profundamente perturbador em Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, talvez o mais importante filme contemporâneo sobre o Brasil distópico da era Bolsonaro. Mesmo tendo sido filmado antes das eleições de 2018 e da catástrofe política em andamento, Bacurau é um filme visionário e violento, uma ficção científica e política que não tem nada de alegórica. Ao contrário, é explicita e brutal, de uma lucidez aterradora.
Um filme em que os gêneros faroeste, ficção científica, filme de terror, filmes de ação hollywoodianos, rambos e exterminadores se encontram com um rural contemporâneo que explode clichês.
Bacurau é um extraordinário remix do imaginário hollywoodiano com a tradição do Cinema Novo brasileiro: a estética da fome, a estética do sonho e a pedagogia da violência de Glauber Rocha com banhos de sangue prêt-à-porter vindos dos filmes de ação e reality shows. Um filme de crítico de cinema, de cinéfilo e de um diretor que chegou ao auge da destreza narrativa.
Cinema Transgênero
Com Bacurau Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles fazem uma espécie de faroeste transgênero, no sentido dos gêneros do cinema, mas também ao explodir os clichês dos comportamentos. Um cangaço trans em que cada espectador projeta suas referências e desejos.
Mas o que o aproxima do Glauber de Deus e o diabo na terra do sol, de 1964, ou de O dragão da maldade contra o santo guerreiro, de 1969? Estamos falando de filmes de invenção de um imaginário rural brasileiro catártico, que inventam uma mística política vinda do povo. Vinda dos oralistas, dos interioranos, do inconsciente explodido das periferias rurais do Brasil.
Mas são muitas as referências: o Godard de Weekend à francesa (1967) ou de Alphaville (1965), ficção cientifica godardiana profundamente distópica. Com a diferença que não há mais nenhum romantismo em Bacurau, apenas um sarcasmo ou riso vingador ou irônico. Como na cena das execuções públicas no Anhangabaú, exibidas na TV, cenas que ecoam os linchamentos midiáticos que são as novas formas de execuções públicas.
Mad Max sertanejo
O filme trata de questões urgentes: crise da água e do meio ambiente, empresas e políticos com ethos milicianos, forças paramilitares ou mercenários globais. Atravessada por essas forças, uma nova Canudos na beira da estrada ou uma cidade Mad Max sertaneja. Uma Canudos genérica, pronta para explodir. Tudo filmado como uma espécie de reality show perverso e alucinatório, com jogos violentos e extremos e com personagens estranhamente familiares e “normais”.
Mas do que se trata o filme? Antes de mais nada de um rural contemporâneo. Um Brasil das cidadezinhas do interior completamente conectadas com o urbano. Atravessadas por redes de celular, tecnologias de vigilância e controle, telas de LED, drones, carros e motos possantes, distribuição de psicotrópicos e remédios que controlam o humor, uma cidade rústica, mas que poderia protagonizar um episódio de Black Mirror e que querem apagar do Google Mapa.
O que fazer diante do capitalismo gore?
A segunda questão é exatamente essa. O que podem (como agir, resistir, se governar) as comunidades que estão sendo atacadas e apagadas pelo capitalismo das “tripas e sangue”? E aqui tomo emprestado o conceito da mexicana Sayak Valencia para descrever a vida nas fronteiras de Tijuana, em que comunidades inteiras têm que lidar com o que nomeia de “capitalismo gore”, um capitalismo mafioso, da narcocultura, milícias, assassinatos.
Esse capitalismo gore, com suas tripas e sangue, é também uma construção cultural. O termo tem origem no gênero cinematográfico splatter, com o uso gráfico e extremo da violência, o grotesco e a violência explícita como linguagem. O assujeitamento e ações predatórias, onde se pode infligir dor e violência contra os corpos, mas também pensar a violência como necroempoderamento.
Diante de um neoliberalismo que fracassou na sua utopia de mercado, diante de uma democracia em agonia, os sujeitos, os cidadãos, a comunidade também quer partilhar e participar da violência como forma de resistência e sobrevivência.
As fronteiras, as cidade das bordas e periferias, as periferias, as comunidades apelam para um autogoverno e ações extrajurídicas. Como em Canudos amotinada, novos laboratórios do pós-colonialismo, mas também das insurreições contemporâneas. Enclaves, tribos, comunidades distópicas e utópicas se inventando.

Os insurgentes em uma democracia em agonia
Diante de fantasias de poder ultraconservadoras, diante de figuras ultraviolentas como Witzels e Bolsonaros, seres “endriagos”, demolidores, que surgem produzindo a gestão da morte, as comunidades se apropriam da violência como ferramenta de empoderamento e de resistência. Uma saída possível do lugar de vítima para a de vingadores.
Bacurau traz de volta o imaginário das guerrilhas dos anos 70 sem fazer qualquer menção, sem qualquer discurso político ou panfletário, simplesmente a narrativa empurra os personagens às armas!
Mas quem são esses novos heróis de uma Canudos revisitada? O Brasil que emergiu no ciclo democrático dos últimos 13 anos, as minorias que se tornaram sujeitos do discurso, os ex-quecidos do Brasil rural, ribeirinho, periférico, as figuras fronteiriças, como a extraordinária cangaceira trans, encarnada por Silvero Pereira.
Uma Canudos remixada que traz também personagens de uma dor extrema, como a mãe diante do filho executado no escuro, com o uniforme do colégio, uma cena arrepiante que vai entrar para a história do cinema brasileiro. E toda a comoção da cidade diante das mortes seriais.
Os personagens de Bacurau trazem nos corpos, nos cabelos, na cor da pele, um Brasil que emergiu e ganhou visibilidade. Homens e mulheres, negros e negras, trans, putas, os caboclos e povos originários. Magníficas as cenas de um devir índio dos personagens que andam e vivem nus nas suas casas de barro, falando com as plantas, vivendo em uma temporalidade estendida, donos de poderes mágicos e de uma cosmovisão.
Impossível não ver neste faroeste caboclo sideral os banhos de sangue, as Marielles assassinadas, a potência das mulheres, todo um novo cangaço das lutas de maiorias, minorias e transgêneros.
Hiper realismo alucinatório
Não há nada de fantasioso em Bacurau, o filme é de uma clareza e brutalidade alucinantes, uma espécie de documentário sobre o imaginário em que estamos. O que poderia ser traumático, o jorro de sangue, a violência gore, todos os corpos dilacerados, cabeças decepadas, os requintes de crueldade e o gozo e erotismo diante da morte se tornam elementos catárticos e redentores ao final do filme.
Diante do trauma político em que estamos. Diante da percepção cotidiana de que “estamos sendo atacados” em nossos valores, em nossos impulsos vitais, em nossas vidas, em nossas sexualidades, Kleber Mendonça apresenta uma guerrilha de bolso. Um laboratório na cidadezinha do interior de Pernambuco. Bacurau é meio Dogville de Lars Von Trier.
Bacurau é Dogville, Alphaville, Canudos, um território separado geográfica e temporalmente do resto do país. O Brasil, São Paulo, são ficções distantes. Como a República era uma ficção para o arraial sertanejo. Como em Os sertões de Euclides da Cunha, Kleber Mendonça nos apresenta a Terra, o Homem e a Luta.
E que emoção ver o cinema glauberiano e o imaginário euclidiano vivos, reinventados em um presente urgente que atualiza personagens como Antônio das Mortes, Corisco, Lampião, a mística política presente em um mesmo filme sem fim que estamos fazendo, uma brasiliana contemporânea.
Bacurau traz uma linguagem impactante. Um remix de Glauber com Tarantino e Godard, e ainda revisita o tropicalismo cinematográfico de filmes como Brasil ano 2000, de Walter Lima Jr .,que proclamava em 1969 que “aqui é o fim do mundo” .
Uma ficção científica apocalíptica que é um retrato do Brasil em 2019. Não identificado, a música de Caetano cantada por Gal Costa, que abre o filme, vem diretamente deste espaço sideral, anos 60/70, nossos “negros verdes anos”, de ditadura militar e do auge de invenções na cultura, uma explosão criativa de cinemanovismo, tropicalismo etc. Kleber Mendonça revisita o lado B do tropicalismo solar: distopia, anarquia, um tropicalismo underground e sombrio que não chegou na cultura de massas.

Efeitos colaterais
Bacurau produz efeitos colaterais e sensoriais imediatos. Seja um estupor melancólico frente ao cenário político que estrebucha na tela, seja o efeito catártico. Ouvi pessoas que gritam e aplaudem, urram diante das mortes horríveis, cabeças decepadas e castigos infligidos aos vilões. Outras despertam eufóricas com as imagens, a montagem, como se fosse um soco ou um pegar pelos ombros que nos sacode por inteiro. Ou ainda um choro, uma comoção, não se sabe bem por que, mas que o filme desata, como esses nós que se desfazem sozinhos depois que já ferimos os dedos da mão tentando abrí-los.
São muitas as referências ao cangaço, ao sertanejo, aos jagunços, aos beatos, aos pré-revolucionários de Glauber, os condenados da terra de Frantz Fanon, os resistentes de um Brasil que luta pela terra, pela água, pela comunidade, pela Amazônia, pela vida.
Em Bacurau, o mais importante é a comunidade e o comum. As lideranças são múltiplas, descentralizadas: a cangaceira trans, a médica Domingas, o professor, as lideranças espirituais. Muitas cabeças e um só corpo.
Ao final uma luta, um duelo, um acertar de contas entre essa diversidade, esse Brasil, esses personagens insurgentes e disruptivos e o militarismo corporativo, o capitalismo miliciano, o empreendedorismo gore. Vai faltar caixões?
As comunidades, os enclaves, os indígenas, a juventude periférica, as esquerdas, os estudantes universitários, os negros e negras, até o momento desconsideraram o discurso radical, de pegar em armas, usar a força física, se armar para fazer a disputa política. Mas o que esperar diante de um Estado que age extra judicialmente e fora da lei?
Quando um governante diz que tem “que mirar bem na cabecinha” e matar seus “inimigos” como em um filme hollywoodiano ruim, ou chega de helicóptero sobre um corpo abatido pela polícia e comemora como um gol, esse imaginário e esse desejo de justiçamento não produzem um imaginário sem controle e perverso?
Se o Estado pode ter drones fatais que atiram para matar, não veremos em um futuro imediato um Rio de Janeiro pilotando drones de autodefesa e ataques? Uma ficção política plausível e aterradora que mostra como se produz Marighellas, Conselheiros e Zumbis, mas também Mitos, Witzels, ultra-extremistas de todos os matizes.
Diante de um humanismo que fracassou, Bacurau sintetiza o Brasil brutal, distópico em que a partilha da violência e a posse de armas e de justiçamento passa a ser feita não apenas pelo “cidadão de bem” conservador, mas surge, como na década de 70 – com as guerrilhas urbanas e ligas camponesas – como uma saída possível, uma reação coletiva, diante de uma democracia e de um Estado colapsados.
Kleber Mendonça Filho não faz uma leitura piedosa de tudo o que está ai. Faz um manifesto cinematográfico, com uma linguagem sofisticada, um apuro estético, uma destreza em conduzir a narrativa. Deixa uma pergunta. Qual a saída diante da necropolítica? O necroemponderamento? A resistência vital? A violência como uma linguagem e um poder de transformação?
Mas também uma saída mágica, uma mística política. Porque “precisamos de todos os santos e orixás, amém” para atravessar o deserto e esse imaginário adoecido. Precisamos acreditar na política e no cinema, na cultura e na arte, na educação, nas resistências cotidianas, nos enclaves e motins.
Afinal o que é um cinema disruptivo? E aqui volto a Glauber e a toda a radicalidade da arte em tempos de barbárie, “deve ser uma mágica capaz de enfeitiçar o homem a tal ponto que ele não suporte mais viver nesta realidade absurda”.
Podemos também invocar outro grito de guerra das lutas contemporâneas, uma guerrilha rural e urbana que se alastra: “As putas as bi, as travas e as sapatão tão tudo preparadas pra fazer revolução”.
Nesse sentido, Bacurau também tem um forte protagonismo feminino. Lia de Itamaracá como a liderança política e mística da comunidade e Sonia Braga, uma médica de pés no barro. Bacurau despe Sonia Braga de todo um imaginário de glamour construído nos filmes brasileiros e estrangeiros ao mostrá-la com todas as marcas da idade, cabelos brancos, um corpo nu, uma mulher na sua maturidade, quase uma “médica cubana” na sua abnegação e cola comunitária, uma atriz excepcional que se reposiciona desde Aquarius e, em Bacurau, transcende e se reinventa. Fazer “desaparecer” uma atriz como Sonia em uma comunidade de atores incríveis e pouco conhecidos é um feito.
Os invasores
Afinal quem são os invasores de Bacurau? “Estamos sob ataque”, percebem os moradores. A chave não está apenas no grupo de gringos predadores da água e assassinos, do prefeito corrupto, mas também na dupla de brasileiros sulistas (em oposição aos moradores nordestinos) que se identifica com esses grupos ultra conservadores. São os primeiros a serem sacrificados. Os que se acham “brancos”, superiores à comunidade local, os que se identificam com seu próprio opressor. Esses são os descartáveis. A classe média de extrema-direita é a primeira a ser sacrificada pelos ultraconservadores. Ousem questionar e virem os inimigos também. Trágico e sarcástico, mas a cena dessa revelação no filme vale por todo um tratado sociológico. O cinema faz ver!

IVANA BENTES é ensaísta, professora Titular da UFRJ, pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Comunicação da UFRJ e da Pro Reitoria de Extensão da UFRJ. Autora de Midia-Multidão: estéticas da comunicação e biopolítica (Sulina), entre outros.