A Internet tem se tornado uma espécie de "terra devastada", um ambiente que nem Tolkien conseguiu imaginar. Talvez por não ser uma Terra Média, mas por se aproximar mais das ruas londrinas, que abrigam Alex DeLarge, personagem do romance Laranja Mecânica (1962), de Anthony Burgess, levado ao cinema pelas mãos de Stanley Kubrick.
Há muita coisa boa na rede, mas também há muito ódio sendo destilado. A Internet, infelizmente, está cheia de Alex DeLarge, o que, muitas vezes, dificulta que assuntos importantes sejam discutidos de maneira aprofundadamente séria, sem agressões, ameaças ou pautados pelo palavrório "nadsat", pobre e vulgar.
A mais recente vítima dessas " ruas de Londres" foi Elika Takimoto, que, no texto abaixo, explica a razão para estar deixando, por tempo indeterminado, o Facebook. Reproduzimos aqui o texto "Até um dia, Facebook", disponível no blog da autora.
Há tempos escrevo sobre
tudo o que me toca da forma mais sincera possível. Não tenho vergonha de falar
de minhas fraquezas, de meus medos, de meus devaneios sejam eles de que
natureza forem e muito menos penso duas vezes antes de pedir desculpas por algo
que tenha feito. Não raro, sou criticada e gosto quando isso acontece porque me
vejo refletindo sobre meus valores. Crescemos sempre no embate, no diálogo, na
divergência.
Muitas pessoas não se
expõem por aqui para não ter que discutir. Não sou dessas como podem ver. Falo
sobre política, educação, maternidade, sociedade, separação, escrevo sobre como
é morar no subúrbio carioca, escancaro a minha dor sem freios. Sempre fui assim
desde que me entendo por gente.
Como já disseram, sou uma
“subcelebridade” na internet. Para quem não sabe, esse boom no meu perfil
ocorreu no ano passado por postagens de cunho bem diferentes terem viralizado:
vídeo de minha filha cantando para vacas, foto dos meus filhos no Aniversário
Guanabara, texto relatando a minha experiência com coletor menstrual, anúncio
de meu filho Hideo,… e o polêmico texto sobre cotas escrito há um ano
(repostado ontem no facebook) que é o motivo dessa minha fala agora aqui.
O texto sobre cotas me
apareceu como “lembrança do facebook”. Como acontece com inúmeros deles, apenas
dei o famoso control C control V para quem não tivesse lido, caso quisesse, dar
uma olhada. Lembro-me que, no ano passado, recebi mensagens de todo o Brasil
por ele. Pessoas que haviam sido (ou ainda eram) cotistas estavam me agradecendo
emocionadas pelo relato que eu havia feito. Por recordar as mensagens de
carinho que havia recebido e por entender que ele seria algo bom para a
comunidade, resolvi publicá-lo em meu feed mais uma vez. Se tivesse, na época,
recebido uma só crítica de um negro se sentindo mal com a postagem, podem ter
certeza que não teria republicado esse texto. Não foi o caso. Os elogios e
agradecimentos tinham vindo deles e por causa do texto fiz amigos cujas vozes
são importantíssimas no movimento negro. Sim. Muitos que me elogiaram podem ser
cegos, não descarto essa possibilidade.
Qual foi minha surpresa
que dessa vez a minha vida virou de cabeça para baixo. Levei um susto com a
quantidade de pessoas me agredindo e as ameaças que recebi. Fui acusada de ser
racista e ter sido completamente infeliz nas palavras. Inicialmente, como
sempre digo, se o oprimido diz que sofreu um preconceito e foi agredido, ele
tem sempre razão. Não existe mimimi. Não existe vitimismo. O mundo não está
ficando chato. O mundo está melhorando isso sim. E isso tudo que aconteceu
serviu como grande aprendizado, pois, fui acusada pela primeira vez de
opressora. Perguntei-me: onde fui racista? Eu? Racista?! Já sabendo de pronto
que sim, vale observar. Tinha sido racista já que há negros que se sentiram
ofendidos. Essa é a regra.
Li o texto. Reli. Li
comentários. Muitos xingamentos, muitas agressões.
A minha reação é ficar
desesperada olhando para o que fiz e questionando onde errei e porque despertei
esse sentimento ruim nas pessoas se tomo sempre o maior cuidado para fazer o
contrário. Para muitas que vieram até me ofendendo, eu pedi para que, por
favor, me ajudassem a melhorar. O que falei que feriu tanto para que nunca mais
eu faça de novo?, perguntei para um tanto de gente hoje, pois, juro, não
entendi o motivo pelo qual estavam querendo meu fígado.
Nada como o diálogo.
Não vou me ater aqui a
dissecar do texto e a comentar frases que recortaram, colaram em fotos minhas e
divulgaram em páginas e sites por aí. Sei que com isso, minha integridade
física já foi ameaçada, corro risco de vida, pois, conhecem bem meu rosto (como
fizeram questão de expor) e esses que fizeram isso querem mesmo a minha morte
seja ela real seja metafórica. As duas são possíveis e se temo a primeira é
porque sou mãe de três e filha de duas pessoas para as quais dou total
assistência. O fato de ter virado conhecida pouco me importa ao contrário do
que muitos (que não me conhecem) pensam. Coisas imprevisíveis que acontecem na
internet… Por mim, ficaria falando só para meus amigos como sempre fiz.
“Printando meus próprios tweets” para eles somente no intuito de compartilhar
ideias e brincar – como muitos sabem que gosto demais de fazer.
A única coisa que sempre
sonhei foi ter meus livros publicados e só. Isso não escondo de ninguém. Mais
do que isso para quê? Acabou que hoje tenho quase 150 mil seguidores, fato que
foge a minha compreensão e ao meu controle. Quando penso nesse número me dá até
calafrios. E, por tentar sublimá-lo e acreditar sempre que escrevo para meia
dúzia de leitores, não tomo cuidados que hoje, aprendi, preciso estar atenta.
Isso posto e voltando ao
foco da postagem, gostaria de agradecer a todos pelas críticas que me fizeram.
Entendi que, a despeito de não ter sido a intenção, o texto que pretendia
narrar a desconstrução de um preconceito, ainda assim, foi infeliz e opressor,
principalmente, na forma.
Relendo a partir das
críticas recebidas, percebi o quanto é difícil viver em uma sociedade
estruturalmente racista. Eu estava crente que (como muitos me fizeram crer na
primeira vez que o texto foi publicado) tinha feito um serviço bacana narrando
tudo o que passei. Qual o quê. Close erradíssimo. Vocês estão certíssimos em
terem me chamado a atenção.
A única coisa que
gostaria de pontuar é que o fato de eu ter estranhado ver negros em minha sala
de aula (como narrado o texto) não foi por incômodo com a raça ou cor e sim por
ter visto que algo diferente estava acontecendo. No mais, a narrativa peca por
ter dado a impressão que eu acredito que, se não fosse pela ajuda dos colegas
brancos, os cotistas não dariam conta, além de eu ter reforçado esteriótipos
que só dificultam a inclusão e os colocam como seres fora do padrão. Entendi
perfeitamente isso e concordei de pronto com a crítica.
Não inventei nada do que
foi escrito, queria observar. Tudo aconteceu. Não teria motivos para inventar
nada. Autopromoção, crescer em cima da desgraça alheia, aparecer como
salvadora… nada disso me passou pela cabeça. Quando o texto foi publicado pela
primeira vez, praticamente, foi só para amigos e conhecidos que sabem que a
minha intenção jamais seria essa, digo, aparecer. Queria apenas compartilhar
com aquele texto (que excluí para frear as ameaças que ando recebendo e a
pedido da comunidade negra – e não por covardia como já me acusam) que quebrei
a minha cara por ter pensado inicialmente que não daríamos conta daquele novo
perfil de alunos que nunca dantes na história do Cefet havíamos tido.
Não menti. O texto fala
(de forma infeliz ok) da desconstrução (não completa como vários observaram
muito bem) de um preconceito de classe e de como tive que me reinventar como
professora para dar conta da diversidade de vários níveis. E tive mesmo. Não
vou esconder isso. Não por ser “iluminada”, “boazinha”, “princesa isabel” como
me chamaram ironicamente. Mas porque outra realidade se apresentou e que não
fazia ideia de como lidar com ela e fiz um esforço danado para aprender. E
continuo me esforçando para ser a melhor professora para meus alunos. Há muito
o que preciso assimilar ainda, como viram. Que bom que seja assim, penso eu…
que horror seria se não tivesse mais nada a melhorar.
Hoje, em minhas palestras
e em minhas falas, defendo que as cotas deveriam ser obrigatórias por lei em
escolas particulares também, pois vi o quanto é somado quando trabalhamos no
plural. Não sou tão ruim quanto pensam ao meu respeito. Entre o quente e o frio
há graduações de morno. Seria bom não ver o mundo de forma tão dicotômica, acho
eu…
Se meu relato reforçou a
colonização, como observaram, peço milhões de desculpas, pois quero estar ao
lado de quem a questiona e não do lado de quem a defende. Por favor, não me
excluam dessa luta.
Prometo me policiar muito
mais na minha fala, na minha escrita e a rever sempre meus (pre)conceitos.
Mais uma vez, a todos que
contribuíram para tanta reflexão, muito obrigada. E a todos que se sentiram ofendidos,
perdão.
Segue o barco com todos
dentro.
Publiquei esse texto me
retratando publicamente. As ameaças, incrivelmente, pioraram depois que o
escrevi. Por motivo de segurança (já que meu contra cheque, meu CPF e endereço
foram publicados junto com a foto do meu rosto com a legenda “racista!”) e por
precisar digerir tanto ódio sem afetar a minha saúde, desabilitei a minha conta
por tempo indeterminado.
Preciso me fortalecer.
Obrigada a todos que
permaneceram ao meu lado e não atiraram pedras.
Em tempo, se quiserem
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Aqui é a minha casa.
Sejam bem vindos.
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