Do huffpostbrasil
Lois Mailou Jones, "Ode to Kinshasa," 1972, mixed media on canvas, 48 x 36 in. |
No primeiro dia do Mês da História Negra, fevereiro deste ano, as
boas pessoas do Google abençoaram a internet com um desenho em homenagem a Edmonia Lewis, a
primeira mulher de origem afroamericana e indígena americana a ser mundialmente
reconhecida como escultora.
Lewis, que cresceu enquanto a escravidão ainda era legal nos Estados
Unidos, ficou conhecida por suas esculturas de mármore de abolicionistas
influentes e figuras mitológicas. Em parte porque ela criou todas suas
esculturas à mão, hoje restam poucos originais ou reproduções intactos. Ela
morreu em 1907, relativamente
desconhecida, e até hoje é menos conhecida que muitos de seus contemporâneos
homens e brancos.
Esta homenagem merecida a Edmonia Lewis nos levou a pensar nas
outras artistas negras cujas contribuições para a história da arte foram
igualmente passadas por cima ou subvalorizadas. Pedimos a ajuda de
museus de todo o país, indagando quais artistas passadas e presentes merecem
nossa atenção. Veja abaixo nove dessas artistas.
1. Pat Ward Williams (nascida em 1948)
Pat Ward Williams é fotógrafa contemporânea, residente em Los Angeles,
cujo trabalho explora a vida pessoal e política dos afro-americanos. Ela buscou
inicialmente romper com o modo em que a vida dos negros normalmente era captada
pelas câmeras. "Sempre aparecíamos como sendo dignos de pena, como vítimas",
ela disse ao "LA Times". "Eu sabia que era uma pessoa feliz.
Havia aspectos da comunidade negra que não eram mostrados."
Procurando romper com a tendência passada da fotografia de deter-se
sobre a superfície, Williams incorpora outros materiais e metodologias em seu
processo, produzindo colagens de materiais diversos que repunem passado e
presente, história e imaginação.
Seu trabalho mais famoso, mostrado acima, traz uma foto de um negro
amarrado a uma árvore, tirada de uma edição de 1937 da revista
"Life". "Quem fez esta foto?", escreve Williams nas margens
da foto. "Como esta foto pode existir?"
Jamillah James, curadora do Instituto de Arte Contemporânea, em Los
Angeles, escreveu ao Huffington Post: "As meditações complexas e
prescientes de Pat Ward Williams sobre raça, história e representação, como seu
trabalho de referência 'Accused/Blowtorch/Padlock' (1986), possuem urgência e
relevância especiais no clima cultural atual. Seu trabalho que combina
fotografia, materiais encontrados (objets trouvés) e texto, engaja o
espectador em um cabo de guerra perceptivo entre o que ele vê, suas próprias
associações e o peso da história."
2. Loïs Mailou Jones (1905–1998)
Mailou Jones, "Initiation, Liberia," 1983, acrylic on canvas, 35 1/4 x 23 1/4 in. (89.6 x 59.1 cm) |
Loïs Mailou Jones foi uma pintora de Boston cuja carreira farta durou 70
anos e abrangeu a América do Norte, Europa e África. Seu estilo eclético se modificou
ao longo do tempo, tirando inspiração de máscaras africanas, paisagens
impressionistas francesas e desenhos haitianos coloridos. Participante ativa do
movimento do Renascimento do Harlem, ela usou elementos visuais vibrantes para
intensificar a urgência de seus trabalhos politicamente carregados, que tratam
das alegrias e dificuldades da vida negra.
"Minha exploração é silenciosa", disse a artista, "uma
busca por novos significados em cores, texturas e desenhos. Embora eu às vezes
retrate cenas de pessoas pobres e sofridas, pintar é uma alegria enorme."
Ao longo da vida, Jones sofreu discriminação como artista negra. Quando
começou a expor seus trabalhos, pedia a amigos brancos que os levassem a
exposições, procurando ocultar sua identidade negra. Ela o fazia por uma razão:
segundo o "New York Times", Jones teve um prêmio rescindido quando a
entidade que o concedeu soube que ela era negra.
Depois de lecionar numa escola de arte afro-americana na Carolina do
Norte, onde vigorava a segregação racial, Jones acabou conquistando um cargo na
Universidade Harvard, em Washington, onde lecionou por 47 anos. Continuou a
pintar e expor seus trabalhos mesmo depois de se aposentar, até sua morte aos
93 anos. Embora não seja um nome amplamente conhecido, sua arte continua viva
em instituições prestigiosas como o National Museum of American Art, o
Metropolitan Museum of Art e o Museum of Fine Art, de Boston.
3. Alma Thomas (1891–1978)
Alma Thomas, "Antares," 1972, acrylic on canvas, 65 3/4 x 56 1/2 in. (167.0 x 143.5 cm) |
Alma Thomas nasceu em Columbus, Georgia, e se mudou para Washington com
sua família quando criança, para fugir da violência racial no Sul dos EUA.
Interessada em arte desde a infância, ela foi a primeira aluna a formar-se na
Universidade Harvard com diploma em belas-artes. Em Harvard ela estudou com
Loïs Mailou Jones, mas adotou uma estética própria.
Seu estilo inclui elementos do expressionismo abstrato e da escola de
cores de Washington, inspirando-se no esplendor da natureza para criar telas
não figurativas, dotadas de vitalidade suave. Sua grande fonte de inspiração
era seu jardim, e ela acompanhava com fascínio a mudança gradual do cenário à
sua volta.
"Peguei umas aquarelas e alguns lápis de cera e comecei a brincar
com eles", ela comentou. "Manchas de cores que foram se espalhando
muito livremente – foi assim que tudo começou. Todas as manhãs desde então, o
vento me oferece novas cores vistas através das vidraças."
Jones lecionou no ensino médio durante a maior parte da vida, criando
arte em seu tempo livre. Teve sua primeira mostra aos 74 anos de idade,
tornando-se mais tarde a primeira artista mulher a ter uma exposição solo no
The Whitney.
4. Laura Wheeler Waring (1877–1948)
Laura Wheeler Waring, "Anna Washington Derry,"1927, oil on canvas, 20 x 16 in. (50.8 x 40.5 cm) |
Filha de um pastor e uma professora, Laura Wheeler Waring cresceu em
Hartford, Connecticut e se interessava por arte quando criança. Em 1914 ela
viajou à Europa, onde estudou a obra dos grandes mestres da pintura no Louvre
e, especificamente, o trabalho de Claude Monet. Retornando aos EUA devido às
pressões da Primeira Guerra Mundial, ela lecionou e dirigiu os departamentos de
arte e música da Escola Cheyney de Formação de Professores.
Embora criasse paisagens e naturezas-mortas, Wheeling é conhecida
sobretudo por sueus retratos, tendo pintado americanos negros com dignidade e
força. Sua série mais conhecida é "Retratos de Cidadãos Americanos
Destacados de Origem Negra", de 1944, que incluiu retratos de W.E.B. Du
Bois, Marian Anderson e James Weldon Johnson.
Durante o Renascimento do Harlem, Waring também contribuiu com a revista
"The Crisis", da NAACP (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas
de Cor), colaborando com ativistas para promover o debate de questões políticas
candentes. Um ano após sua morte, a Howard University Gallery of Art promoveu
uma mostra de sua obra.
5. Barbara Chase-Riboud (nascida em 1939)
Barbara Chase-Riboud, "Le Manteau (The Cape)," 1973, cronze, hemp rope, copper. |
Nascida na Filadélfia, Barbara Chase-Riboud começou a ter aulas de arte
ainda criança. Quando era estudante na Escola Tyler de Arte da Universidade
Temple, ela vendeu uma xilogravura do Museum of Modern Art de Nova York. Ao
formar-se na universidade de Yale com um mestrado em belas-artes, Chase-Riboud
já tinha uma escultura exposta no Carnegie Mellon Institute.
Ela é conhecida por suas esculturas de grandes dimensões feitas de metal
fundido e cobertas por meadas de seda e lã, como crias estranhas de uma armadura
e uma saia de bailarina. Fortes, fluidas e femininas e ao mesmo tempo mecânicas
e naturais, as obras belíssimas tornaram-se símbolos de força feminina, além de
manifestações visuais de transformação e integração.
"Adoro a seda. É um dos materiais mais fortes do mundo, tão
duradouro quanto o bronze", comentou a artista. "Não é questão de um
material fraco versus um material forte. A transformação que ocorre nas estelas
não acontece entre dois elementos desiguais, mas entre duas coisas iguais que
interagem e transformam uma à outra."
A artista, que hoje vive em Paris e Roma, é também poeta e romancista
premiada, conhecida por seu romance histórico Sally Hemings (1979),
sobre o relacionamento não consensual entre o ex-presidente dos EUA Thomas
Jefferson e sua escrava Sally Hemings.
6. Nancy Elizabeth Prophet (1890–1960)
Nancy Elizabeth Prophet, "Untitled (Head)," ca. 1930, wood, head without base: 12 1/2 x 6 1/2 x 7 in. (31.8 x 16.5 x 17.8 cm). |
Nancy Elizabeth Prophet foi criada em Rhode Island, filha de mãe
afro-americana e pai indígena de origem Narragansett-Pequod. Ela estudou
pintura e desenho, especialmente retratos, na prestigiosa Escola de Design de
Rhode Island; para pagar a escola, trabalhou como empregada doméstica.
Formou-se no período do Renascimento de Harlem.
Em 1922 Prophet se mudou para Paris, em parte por estar frustrada com o
racismo deslavado do mundo das artes americanas. Chegou a Paris exaurida e sem
dinheiro, mas se revigorou criativamente com a mudança de ares e começou a
criar retratos esculturais com materiais como madeira, mármore, bronze, gesso e
argila. O historiador de arte escreveu sobre seus trabalhos, em comentários
citados na obra Notable Black American Women: "O orgulho que
esta escultora sente em sua raça se resolve em uma intimação de conflito nobre
marcando os traços de cada busto esculpido".
Apesar de suas esculturas serem expostas em salões da alta sociedade,
Prophet continuou sem posses, fato que acabou obrigando-a a voltar aos Estados
Unidos. Ali ela continuou a enviar suas esculturas a galerias e concursos, ao
mesmo tempo em que lecionava arte na Universidade de Atlanta e no Spelman
College. Consta que levava um galo vivo à sala de aula para ensinar seus alunos
a desenhar.
Prophet acabou voltando a viver em Rode Islanda –novamente, em parte,
para fugir da segregação racial--, e a partir desse momento sua vida artística
se desacelerou muito. Poucas de suas esculturas têm paradeiro conhecido hoje.
Uma delas faz parte do acervo permanente do The Whitney, em New York City.
7. Maren Hassinger (nascida em 1947)
Maren Hassinger, "A Place for Nature," 2011, wire rope, dimensions variable |
Nascida e criada em Los Angeles, Maren Hassinger começou a dançar aos 5
anos de idade. Pretendia continuar a estudar dança no Bennington College, mas
acabou optando pela escultura. Ela se formou na UCLA em 1973 com mestrado em
arte com fibras.
Em seu trabalho, Hassinger reúne elementos da cultura, performance,
vídeo e dança para investigar a relação entre os mundos natural e industrial.
Os materiais que emprega mais comumente incluem arame, corda, lixo, folhas,
caixas de papelão e jornais velhos, frequentemente dispostos de modo a
incentivar o movimento, como se as próprias esculturas estivessem dançando.
Seu trabalho explora questões pessoais, políticas e ambientais numa
linguagem abstrata que permite ao espectador tirar suas próprias conclusões. "Todos
os trabalhos com caixas dizem respeito à nossa necessidade extrema de consumir
e para onde isso nos leva", ela disse certa vez à revista de arte
"BOMB". "Cadê o sentimentalismo nisso tudo? Acho que meu
trabalho não tem tanto a ver com ecologia, mas focaliza elementos ou até
problemas que todos compartilhamos e que nos afetam a todos."
Desde 1997 Hassinger é diretora da Rinehart School
of Sculpture do Maryland Institute College of Art, em Baltimore.
8. Nellie Mae Rowe (1900–1982)
Nellie Mae Rowe, "Untitled (Two Figures and Animal," Vinings, Georgia, 1979/1980, crayon, felt-tip marker, and oil pastel on paper, " |
Nellie Mae Rowe nasceu na zona rural da Georgia, uma de nova filhas. Seu
pai, antigo escravo, era ferreiro e produzia cestas; sua mãe costurava roupas e
colchas. Rowe se casou aos 16 anos e, após a morte de seu marido, casou-se
novamente aos 36, com um viúvo. Quando este faleceu, Rowe tinha 48 anos e
iniciou vida nova como mulher independente e artista.
Ela falou de seu interesse nascente pela arte como uma oportunidade de
reviver sua infância. Ela começou a enfeitar a fachada de sua casa, à qual
apelidou de "casa de bonecas", com animais empalhados, bonecas em
tamanho natural, sebes com formatos de animais e esculturas feitas de chiclete.
Ao lado de suas instalações, Rowe criava desenhos coloridos com
materiais humildes como giz de cera, cartolina e canetas hidrográficas. Suas
imagens geralmente mostravam humanos e animais engolidos por desenhos coloridos
abstratos, com frequência fazendo alusão a lutas pessoais de sua própria vida.
Quando recebeu o diagnóstico de câncer, em 1981, Rowe canalizou suas emoções
para seu trabalho, enfrentando as mudanças em seu corpo e suas atitudes em
relação à morte por meio de imagens simbólicas fortes.
"Me sinto ótima por ser artista", Rowe disse certa vez, em
frase que ficaria famosa. "Eu nunca soube que viraria artista. Isso é
simplesmente surpreendente para mim."
9. Senga Nengudi (nascida em 1943)
Senga Nengudi "Revery - R," 2011, nylon mesh, metal springs, sand, 22 1/2 x 15 x 6 in. (57.2 x 38.1 x 15.2 cm) |
Senga Nengudi nasceu em Chicago, Illinois, e mudou-se para Los Angeles,
Califórnia, pouco depois. Estudou arte e dança na California State University,
onde recebeu seu bacharelado em artes e seu mestrado em belas-artes. Entre um
diploma e outro, passou um ano estudando em Tóquio, onde se inspirou na
tradição minimalista japonesa e nos grupos de arte cênica Guttai.
Nos anos 1960 e 1970, Nengudi foi uma força fundamental no cenário da
arte negra radical e vanguardista de Nova York e Los Angeles, se bem que nunca
tenha chegado a ser notada realmente pelo grande público. Juntamente com David
Hammons e Maren Hassinger, ela formou o Studio Z, um coletivo de artistas que
compartilhavam o interesse por materiais abandonados e espaços esquecidos. O
coletivo frequentemente usava fantasias e carregava instrumentos para
improvisar apresentações em locais improváveis, como as passagens subterrâneas
debaixo de viadutos ou em escolas abandonadas.
Seu trabalho mais icônico de performance escultural,
"R.S.V.P.", usava meias-calças como material principal. Explorando a
relação desse objeto corriqueiro com a pele, a constrição, a elasticidade e a
feminilidade, Negudi esticou e deformou as meias-calças para que lembrassem diagramas
abstratos e partes corporais flácidas. Ela frequentemente chamava Maren
Hassinger, sua colaboradora, para ativar as esculturas, dançando com elas,
privilegiando a improvisão como modo de ritual.
"Quando deslanchamos o trabalho, a improvisação era a ferramenta de
sobrevivência: agir no momento, encontrar uma maneira de fazer algo que não
havia sido feito antes, viver", disse Nengudi ao Hyperallergic. "E a
tradição passa pelo jazz. O jazz é a manifestação perfeita da improvisação
constante. Precisa estar presente sempre. É a adaptação constante a um ambiente
hostil. É preciso decifrar alguma coisa do jeito certo."
--
Fonte: http://www.huffpostbrasil.com/2017/03/20/museus-prestigiam-as-artistas-negras-que-a-historia-esqueceu/