quarta-feira, 31 de maio de 2017

Museus prestigiam as artistas negras que a história esqueceu, por Priscilla Frank


Do huffpostbrasil

Lois Mailou Jones, "Ode to Kinshasa," 1972, mixed media on canvas, 48 x 36 in.

No primeiro dia do Mês da História Negra, fevereiro deste ano, as boas pessoas do Google abençoaram a internet com um desenho em homenagem a Edmonia Lewis, a primeira mulher de origem afroamericana e indígena americana a ser mundialmente reconhecida como escultora.
Lewis, que cresceu enquanto a escravidão ainda era legal nos Estados Unidos, ficou conhecida por suas esculturas de mármore de abolicionistas influentes e figuras mitológicas. Em parte porque ela criou todas suas esculturas à mão, hoje restam poucos originais ou reproduções intactos. Ela morreu em 1907, relativamente desconhecida, e até hoje é menos conhecida que muitos de seus contemporâneos homens e brancos.
Esta homenagem merecida a Edmonia Lewis nos levou a pensar nas outras artistas negras cujas contribuições para a história da arte foram igualmente passadas por cima ou subvalorizadas. Pedimos a ajuda de museus de todo o país, indagando quais artistas passadas e presentes merecem nossa atenção. Veja abaixo nove dessas artistas.

1. Pat Ward Williams (nascida em ​​​1948)
Pat Ward Williams, "Accused/Blowtorch/Padlock," 1986, wood, tar paper, gelatin silver prints, film positive, paper, pastel, and metal, overall: 61 13/16 × 108 1/4 × 3 in. (157 × 275 × 7.6 cm)

Pat Ward Williams é fotógrafa contemporânea, residente em Los Angeles, cujo trabalho explora a vida pessoal e política dos afro-americanos. Ela buscou inicialmente romper com o modo em que a vida dos negros normalmente era captada pelas câmeras. "Sempre aparecíamos como sendo dignos de pena, como vítimas", ela disse ao "LA Times". "Eu sabia que era uma pessoa feliz. Havia aspectos da comunidade negra que não eram mostrados."
Procurando romper com a tendência passada da fotografia de deter-se sobre a superfície, Williams incorpora outros materiais e metodologias em seu processo, produzindo colagens de materiais diversos que repunem passado e presente, história e imaginação.
Seu trabalho mais famoso, mostrado acima, traz uma foto de um negro amarrado a uma árvore, tirada de uma edição de 1937 da revista "Life". "Quem fez esta foto?", escreve Williams nas margens da foto. "Como esta foto pode existir?"
Jamillah James, curadora do Instituto de Arte Contemporânea, em Los Angeles, escreveu ao Huffington Post: "As meditações complexas e prescientes de Pat Ward Williams sobre raça, história e representação, como seu trabalho de referência 'Accused/Blowtorch/Padlock' (1986), possuem urgência e relevância especiais no clima cultural atual. Seu trabalho que combina fotografia, materiais encontrados (objets trouvés) e texto, engaja o espectador em um cabo de guerra perceptivo entre o que ele vê, suas próprias associações e o peso da história."

2. Loïs Mailou Jones (1905–1998)
Mailou Jones, "Initiation, Liberia," 1983, acrylic on canvas, 35 1/4 x 23 1/4 in. (89.6 x 59.1 cm)

Loïs Mailou Jones foi uma pintora de Boston cuja carreira farta durou 70 anos e abrangeu a América do Norte, Europa e África. Seu estilo eclético se modificou ao longo do tempo, tirando inspiração de máscaras africanas, paisagens impressionistas francesas e desenhos haitianos coloridos. Participante ativa do movimento do Renascimento do Harlem, ela usou elementos visuais vibrantes para intensificar a urgência de seus trabalhos politicamente carregados, que tratam das alegrias e dificuldades da vida negra.
"Minha exploração é silenciosa", disse a artista, "uma busca por novos significados em cores, texturas e desenhos. Embora eu às vezes retrate cenas de pessoas pobres e sofridas, pintar é uma alegria enorme."
Ao longo da vida, Jones sofreu discriminação como artista negra. Quando começou a expor seus trabalhos, pedia a amigos brancos que os levassem a exposições, procurando ocultar sua identidade negra. Ela o fazia por uma razão: segundo o "New York Times", Jones teve um prêmio rescindido quando a entidade que o concedeu soube que ela era negra.
Depois de lecionar numa escola de arte afro-americana na Carolina do Norte, onde vigorava a segregação racial, Jones acabou conquistando um cargo na Universidade Harvard, em Washington, onde lecionou por 47 anos. Continuou a pintar e expor seus trabalhos mesmo depois de se aposentar, até sua morte aos 93 anos. Embora não seja um nome amplamente conhecido, sua arte continua viva em instituições prestigiosas como o National Museum of American Art, o Metropolitan Museum of Art e o Museum of Fine Art, de Boston.

3. Alma Thomas (1891–1978)
Alma Thomas, "Antares," 1972, acrylic on canvas, 65 3/4 x 56 1/2 in. (167.0 x 143.5 cm)
Alma Thomas nasceu em Columbus, Georgia, e se mudou para Washington com sua família quando criança, para fugir da violência racial no Sul dos EUA. Interessada em arte desde a infância, ela foi a primeira aluna a formar-se na Universidade Harvard com diploma em belas-artes. Em Harvard ela estudou com Loïs Mailou Jones, mas adotou uma estética própria.
Seu estilo inclui elementos do expressionismo abstrato e da escola de cores de Washington, inspirando-se no esplendor da natureza para criar telas não figurativas, dotadas de vitalidade suave. Sua grande fonte de inspiração era seu jardim, e ela acompanhava com fascínio a mudança gradual do cenário à sua volta.
"Peguei umas aquarelas e alguns lápis de cera e comecei a brincar com eles", ela comentou. "Manchas de cores que foram se espalhando muito livremente – foi assim que tudo começou. Todas as manhãs desde então, o vento me oferece novas cores vistas através das vidraças."
Jones lecionou no ensino médio durante a maior parte da vida, criando arte em seu tempo livre. Teve sua primeira mostra aos 74 anos de idade, tornando-se mais tarde a primeira artista mulher a ter uma exposição solo no The Whitney.

4. Laura Wheeler Waring (1877–1948)
Laura Wheeler Waring, "Anna Washington Derry,"1927, oil on canvas, 20 x 16 in. (50.8 x 40.5 cm)
Filha de um pastor e uma professora, Laura Wheeler Waring cresceu em Hartford, Connecticut e se interessava por arte quando criança. Em 1914 ela viajou à Europa, onde estudou a obra dos grandes mestres da pintura no Louvre e, especificamente, o trabalho de Claude Monet. Retornando aos EUA devido às pressões da Primeira Guerra Mundial, ela lecionou e dirigiu os departamentos de arte e música da Escola Cheyney de Formação de Professores.
Embora criasse paisagens e naturezas-mortas, Wheeling é conhecida sobretudo por sueus retratos, tendo pintado americanos negros com dignidade e força. Sua série mais conhecida é "Retratos de Cidadãos Americanos Destacados de Origem Negra", de 1944, que incluiu retratos de W.E.B. Du Bois, Marian Anderson e James Weldon Johnson.
Durante o Renascimento do Harlem, Waring também contribuiu com a revista "The Crisis", da NAACP (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor), colaborando com ativistas para promover o debate de questões políticas candentes. Um ano após sua morte, a Howard University Gallery of Art promoveu uma mostra de sua obra.

5. Barbara Chase-Riboud (nascida em 1939)
Barbara Chase-Riboud, "Le Manteau (The Cape)," 1973, cronze, hemp rope, copper.
Nascida na Filadélfia, Barbara Chase-Riboud começou a ter aulas de arte ainda criança. Quando era estudante na Escola Tyler de Arte da Universidade Temple, ela vendeu uma xilogravura do Museum of Modern Art de Nova York. Ao formar-se na universidade de Yale com um mestrado em belas-artes, Chase-Riboud já tinha uma escultura exposta no Carnegie Mellon Institute.
Ela é conhecida por suas esculturas de grandes dimensões feitas de metal fundido e cobertas por meadas de seda e lã, como crias estranhas de uma armadura e uma saia de bailarina. Fortes, fluidas e femininas e ao mesmo tempo mecânicas e naturais, as obras belíssimas tornaram-se símbolos de força feminina, além de manifestações visuais de transformação e integração.
"Adoro a seda. É um dos materiais mais fortes do mundo, tão duradouro quanto o bronze", comentou a artista. "Não é questão de um material fraco versus um material forte. A transformação que ocorre nas estelas não acontece entre dois elementos desiguais, mas entre duas coisas iguais que interagem e transformam uma à outra."
A artista, que hoje vive em Paris e Roma, é também poeta e romancista premiada, conhecida por seu romance histórico Sally Hemings (1979), sobre o relacionamento não consensual entre o ex-presidente dos EUA Thomas Jefferson e sua escrava Sally Hemings.

6. Nancy Elizabeth Prophet (1890–1960)
Nancy Elizabeth Prophet, "Untitled (Head)," ca. 1930, wood, head without base: 12 1/2 x 6 1/2 x 7 in. (31.8 x 16.5 x 17.8 cm).
Nancy Elizabeth Prophet foi criada em Rhode Island, filha de mãe afro-americana e pai indígena de origem Narragansett-Pequod. Ela estudou pintura e desenho, especialmente retratos, na prestigiosa Escola de Design de Rhode Island; para pagar a escola, trabalhou como empregada doméstica. Formou-se no período do Renascimento de Harlem.
Em 1922 Prophet se mudou para Paris, em parte por estar frustrada com o racismo deslavado do mundo das artes americanas. Chegou a Paris exaurida e sem dinheiro, mas se revigorou criativamente com a mudança de ares e começou a criar retratos esculturais com materiais como madeira, mármore, bronze, gesso e argila. O historiador de arte escreveu sobre seus trabalhos, em comentários citados na obra Notable Black American Women: "O orgulho que esta escultora sente em sua raça se resolve em uma intimação de conflito nobre marcando os traços de cada busto esculpido".
Apesar de suas esculturas serem expostas em salões da alta sociedade, Prophet continuou sem posses, fato que acabou obrigando-a a voltar aos Estados Unidos. Ali ela continuou a enviar suas esculturas a galerias e concursos, ao mesmo tempo em que lecionava arte na Universidade de Atlanta e no Spelman College. Consta que levava um galo vivo à sala de aula para ensinar seus alunos a desenhar.
Prophet acabou voltando a viver em Rode Islanda –novamente, em parte, para fugir da segregação racial--, e a partir desse momento sua vida artística se desacelerou muito. Poucas de suas esculturas têm paradeiro conhecido hoje. Uma delas faz parte do acervo permanente do The Whitney, em New York City.

7. Maren Hassinger (nascida em 1947)
Maren Hassinger, "A Place for Nature," 2011, wire rope, dimensions variable
Nascida e criada em Los Angeles, Maren Hassinger começou a dançar aos 5 anos de idade. Pretendia continuar a estudar dança no Bennington College, mas acabou optando pela escultura. Ela se formou na UCLA em 1973 com mestrado em arte com fibras.
Em seu trabalho, Hassinger reúne elementos da cultura, performance, vídeo e dança para investigar a relação entre os mundos natural e industrial. Os materiais que emprega mais comumente incluem arame, corda, lixo, folhas, caixas de papelão e jornais velhos, frequentemente dispostos de modo a incentivar o movimento, como se as próprias esculturas estivessem dançando.
Seu trabalho explora questões pessoais, políticas e ambientais numa linguagem abstrata que permite ao espectador tirar suas próprias conclusões. "Todos os trabalhos com caixas dizem respeito à nossa necessidade extrema de consumir e para onde isso nos leva", ela disse certa vez à revista de arte "BOMB". "Cadê o sentimentalismo nisso tudo? Acho que meu trabalho não tem tanto a ver com ecologia, mas focaliza elementos ou até problemas que todos compartilhamos e que nos afetam a todos."
Desde 1997 Hassinger é diretora da Rinehart School of Sculpture do Maryland Institute College of Art, em Baltimore.

8. Nellie Mae Rowe (1900–1982)
Nellie Mae Rowe, "Untitled (Two Figures and Animal," Vinings, Georgia, 1979/1980, crayon, felt-tip marker, and oil pastel on paper, "
Nellie Mae Rowe nasceu na zona rural da Georgia, uma de nova filhas. Seu pai, antigo escravo, era ferreiro e produzia cestas; sua mãe costurava roupas e colchas. Rowe se casou aos 16 anos e, após a morte de seu marido, casou-se novamente aos 36, com um viúvo. Quando este faleceu, Rowe tinha 48 anos e iniciou vida nova como mulher independente e artista.
Ela falou de seu interesse nascente pela arte como uma oportunidade de reviver sua infância. Ela começou a enfeitar a fachada de sua casa, à qual apelidou de "casa de bonecas", com animais empalhados, bonecas em tamanho natural, sebes com formatos de animais e esculturas feitas de chiclete.
Ao lado de suas instalações, Rowe criava desenhos coloridos com materiais humildes como giz de cera, cartolina e canetas hidrográficas. Suas imagens geralmente mostravam humanos e animais engolidos por desenhos coloridos abstratos, com frequência fazendo alusão a lutas pessoais de sua própria vida. Quando recebeu o diagnóstico de câncer, em 1981, Rowe canalizou suas emoções para seu trabalho, enfrentando as mudanças em seu corpo e suas atitudes em relação à morte por meio de imagens simbólicas fortes.
"Me sinto ótima por ser artista", Rowe disse certa vez, em frase que ficaria famosa. "Eu nunca soube que viraria artista. Isso é simplesmente surpreendente para mim."

9. Senga Nengudi (nascida em 1943)
Senga Nengudi "Revery - R," 2011, nylon mesh, metal springs, sand, 22 1/2 x 15 x 6 in. (57.2 x 38.1 x 15.2 cm)
Senga Nengudi nasceu em Chicago, Illinois, e mudou-se para Los Angeles, Califórnia, pouco depois. Estudou arte e dança na California State University, onde recebeu seu bacharelado em artes e seu mestrado em belas-artes. Entre um diploma e outro, passou um ano estudando em Tóquio, onde se inspirou na tradição minimalista japonesa e nos grupos de arte cênica Guttai.
Nos anos 1960 e 1970, Nengudi foi uma força fundamental no cenário da arte negra radical e vanguardista de Nova York e Los Angeles, se bem que nunca tenha chegado a ser notada realmente pelo grande público. Juntamente com David Hammons e Maren Hassinger, ela formou o Studio Z, um coletivo de artistas que compartilhavam o interesse por materiais abandonados e espaços esquecidos. O coletivo frequentemente usava fantasias e carregava instrumentos para improvisar apresentações em locais improváveis, como as passagens subterrâneas debaixo de viadutos ou em escolas abandonadas.
Seu trabalho mais icônico de performance escultural, "R.S.V.P.", usava meias-calças como material principal. Explorando a relação desse objeto corriqueiro com a pele, a constrição, a elasticidade e a feminilidade, Negudi esticou e deformou as meias-calças para que lembrassem diagramas abstratos e partes corporais flácidas. Ela frequentemente chamava Maren Hassinger, sua colaboradora, para ativar as esculturas, dançando com elas, privilegiando a improvisão como modo de ritual.
"Quando deslanchamos o trabalho, a improvisação era a ferramenta de sobrevivência: agir no momento, encontrar uma maneira de fazer algo que não havia sido feito antes, viver", disse Nengudi ao Hyperallergic. "E a tradição passa pelo jazz. O jazz é a manifestação perfeita da improvisação constante. Precisa estar presente sempre. É a adaptação constante a um ambiente hostil. É preciso decifrar alguma coisa do jeito certo."


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Fonte: http://www.huffpostbrasil.com/2017/03/20/museus-prestigiam-as-artistas-negras-que-a-historia-esqueceu/

quinta-feira, 25 de maio de 2017

GILKA MACHADO - POESIA COMPLETA


Organizado por Jamyle Rkain, já está disponível para venda o livro Poesia Completa (2017), de Gilka Machado (1893 - 1980), publicado pelo selo Demônio Negro, de São Paulo. O trabalho é uma grande oportunidade de se conhecer a obra de uma das maiores poetisas brasileiras de todos os tempos; consideradas por muitos, inclusive, como sendo a melhor. A obra traz os livros da autora, muitos já fora de circulação. São eles: Cristais partidos, Estados de alma, Mulher nua, Meu glorioso pecado, Sublimação e Velha poesia.

Trata-se de uma belíssima edição, com apresentação de Jamyle Rkain e notas autobiográficas, publicadas originalmente em 1978. Tem-se ainda um longo e esclarecedor prefácio, escrito por Maria Lúcia Dal Farra. Em síntese, uma obra de leitura indispensável.










sábado, 20 de maio de 2017

BELCHIOR E AS PERGUNTAS SOBRE O BRASIL QUE PAROU PELO CAMINHO




Belchior é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes poetas da Música Popular Brasileira. Sua obra é toda ela constituída de questionamentos filosóficos, políticos e sociais. O artista, falecido no dia 30 de abril de 2017 (algumas matérias jornalísticas falam em 29/04), mostrou-se sempre antenado com a situação do ser humano no mundo, especialmente o homem nordestino, brasileiro. Se sua poesia já era considerada por muitos como um diferencial em meio a enxurrada de músicas de letras fáceis, que abundam nos "tristes trópicos"; seu encantamento, como diria Guimarães Rosa, poderá trazer maior visibilidade, mais estudos e pesquisas sobre seu trabalho. Como exemplo de análise da sociedade brasileira, segue a letra "Arte final", na qual o poeta faz várias perguntas sobre o Brasil que parece, como dito naquela canção de Celso Viáfora, ter parado pelo caminho.





ARTE FINAL (BELCHIOR)

Desculpe qualquer coisa, passe outro dia,
Agora eu estou por fora, volto logo,
Não perturbe, pra vocês eu não estou.

Sessão de nostalgia, isto é lá com minha tia,
Isto é lá com minha tia!

Alô, presente, estou chegando,
Alô futuro, já vou!
Alô, presente, estou chegando,
Alô futuro, já vou!

Ora, Ora! Até vocês que ouvi dizer,
São gente quase honesta.
Ora, ora! Até vocês os reis da festa,
Ora, essa! Não confiam mais em mim!
E me tratam como tratam mulher, preto,
Todos entramos no gueto
Quando a coisa entrou no ar.

Mas pegue leve, não empurre, seja breve,
Conheço o meu lugar!
Mas pegue leve, não empurre, seja breve,
Conheço o meu lugar!

Dancei, sei que dancei,
Dancei meu bem!
Mas vem que ainda tem!

Dancei, sei que dancei,
Dancei meu bem!
Mas vem que ainda tem!

Dancei, sei que dancei,
Dancei meu bem!
Mas vem que ainda tem!

Dancei, sei que dancei,
Dancei meu bem!
Mas vem que ainda tem!

E então, my friends?
Bastou vender a minha alma ao diabo,
E lá vem vocês seguindo o mau exemplo.
Entrando numas de vender a própria mãe.
Alguém se atreve a ir comigo
Além do shopping center? Hein? Hein?
Ah! Donde están los estudiantes?
Os rapazes latino-americanos?
Os aventureiros? Os anarquistas? Os artistas?
Os sem-destino? Os rebeldes experimentadores?
Os benditos? Malditos? Os renegados? Os sonhadores?
Esperávamos os alquimistas, e lá vem chegando os bárbaros
Os arrivistas, os consumistas, os mercadores.
Minas, homens não há mais?
Entre o Céu e a Terra não há mais nada
Do que sex, drugs and Rock 'n' Roll?
Por que o Adeus às armas?
Não perguntes por quem os sinos dobram,
Eles dobram por Ri!
Ora, senhoras! Ora, senhores!
Uma boa noite lustrada de neon pra vocês
E o último a sair apague a luz azul do aeroporto
E ainda que mal me pergunte:
"A saída será mesmo o aeroporto?"


sexta-feira, 12 de maio de 2017

A CULTURA NEGRA IMPORTA


A cultura negra importa
Por Mireia Sentis
Do El País


Uma das respostas a por que as produções literárias, cinematográficas e televisivas dos artistas negros proeminentes do mundo anglo-saxão recebem ultimamente uma atenção maior poderia estar em Obama. Em sua campanha ele teve o especial cuidado de não se focar na raça – deveria ser o presidente de todos os americanos –, mas não há dúvida de que o fato de chegar à presidência mudou a visão que se tinha sobre a raça nos Estados Unidos. Ainda mais quando, sem necessidade de falar sobre isso, era evidente que o político mestiço havia decidido fazer parte do coletivo afro-americano. Seu casamento com uma mulher de quem se ouvia frequentemente dizerem que “era muito bonita apesar de ser negra-negra” teve o “efeito colateral” de normalizar a presença – e a beleza – da mulher negra até então ausente, com pontuais exceções, dos veículos de comunicação.



WIN MCNAMEE (GETTY)

Deixando de lado os casos da música negra, que foi aceita – após o desprezo inicial e a posterior exploração – já há décadas (com os músicos, da mesma forma que os atletas, são aplicados parâmetros diferentes; são pessoas sem classe e grupo social que agem como ponta de lança), esta (mais ou menos) aceitação atual da cultura afro-americana por parte do mainstream se forjou muito lentamente e experimentou, de acordo com as disciplinas, tempos diferentes. A literatura se descola com a narrativa de escravos, avalizada, como confirmação de sua autenticidade, por abolicionistas brancos que a publicavam com a finalidade de lutar contra a escravidão. Esses livros, muito vendidos em sua época, desapareceram com a Guerra de Secessão (Guerra Civil dos EUA). O escritor, editor e ativista que acabaria sendo conselheiro em assuntos negros do presidente Lincoln, Frederick Douglass, foi quem obteve as maiores tiragens, mas existiram muitos autores situados entre a primeira narrativa, a do marinheiro Olaudah Equiano (1789), e a última, a do educador Booker T. Washington (1901). William Wells Brown, Harriet Jacobs e Solomon Northup, cujo relato Doze Anos de Escravidão foi levado ao cinema em 2013, estão entre os nomes mais destacados. Somente no renascimento do Harlem voltou a ressurgir, sempre aos olhos do majoritário público branco, uma literatura negra.

O renascimento se deu na época da lei seca (1920-1933), quando o Harlem ofereceu lugares, os speakeasy, em que os dissidentes se reuniam em locais discretos. Lá a boemia intelectual branca descobriu a negra. O novo filão editorial perdeu continuidade com a chegada das dificuldades econômicas causadas pelo crash de 1929. Langston Hughes é o autor mais destacado do período, mas a lista é extensa: W. E. B. Du Bois, Jean Toomer, Zora Neale Hurston, Countee Cullen, James Weldon Johnson, Nella Larsen… e termina em Richard Wright, expatriado em Paris. De modo geral não foi até as lutas pelos direitos civis que se tornaram conhecidos os nomes que marcariam a próxima época de categórica afirmação negra: por um lado, os brilhantes ensaios de James Baldwin e os inspirados discursos de Martin Luther King, e, por outro, os seguidores da corrente separatista como Malcom X, George Jackson e Eldridge Cleaver. Em 1968 foi inaugurado o primeiro departamento universitário de estudos afro-americanos – uma batalha ganha na luta pelos direitos civis –, que deu espaço a pequenas editoras negras que abasteciam os estudiosos, mas também as classes populares. Logo as grandes marcas se deram conta da importância dessa clientela. Surgiram nomes de longa carreira como Amiri Baraka, Ralph Ellison e Angela Davis. Em 1993 veio o primeiro Prêmio Nobel, com a excelsa Toni Morrison —também notável editora—, que para muitos norte-americanos funcionou como um despertador.

A indústria cinematográfica seguiu seu próprio caminho. Quando os negros foram admitidos nas salas de cinema precisaram ocupar os piores lugares, coloquialmente chamados de nigger heaven. Os poucos personagens negros que apareciam nos filmes nunca ocupavam posições que não fossem de servilismo. Em 1915 estreou o filme de Griffith O Nascimento de uma Nação, tão adiantado tecnicamente como atrasado ideologicamente; era pura apologia da Ku Klux Klan. Em razão dessa constatação, o escritor e cineasta Oscar Micheaux decidiu fundar nesse mesmo ano sua própria produtora. Foi o nascimento do cinema independente negro, que produziu, até 1951, quinhentos dos chamados race films. Finalmente a audiência afro-americana podia se ver refletida em toda sua diversidade. Quando o Black Power se fez escutar, surgiu a nova geração. Na liderança, o músico, escritor e ator Melvin Van Peebles, que com Sweet Sweetback’s Baadasssss Song criou em 1971 o tipo de anti-herói irreverente e sem complexos que difundiu por todo o país os blaxploitation films. Um gênero essencialmente urbano, hoje considerado precursor cinematográfico da primeira onda do rap. Hollywood se deu conta do enorme mercado que representava um setor que não havia levado em consideração, e se apropriou do filão. Mas o cinema negro independente não desapareceu, de onde surgiram diretores tão interessantes como Charles Burnett (é extremamente recomendável o livro Charles Burnett. Um Cineasta Incômodo, 2016), Julie Dash, Robert Townsend, Carl Franklin e Spike Lee.

Como filha mais nova da indústria cinematográfica, a televisão foi crescendo. Os primeiros afro-americanos que nela aparecerem eram mostrados com todos os clichês em voga, como na comédia Amos ‘n’ Andy, mas pouco a pouco foi incorporando atores e comediantes que lotavam os cinemas com a audiência negra; no começo dos anos setenta nomes como Redd Foxx, Bill Cosby, Jimmie Walker, Sherman Hemsley e Florence Johnston estavam à frente do elenco de várias comédias. Quando em 1977 chegou à rede de televisão ABC a série Raízes, uma nova janela se abriu: existia uma história a se desenvolver e bons atores para fazê-lo. A maioria dos que apareceram nessa série, adaptação do best-seller de Alex Haley, nunca mais deixou de trabalhar em Hollywood. Em 1980 foi criada a BET (Black Entertainment Television), uma rede decididamente voltada ao espectador negro. Um de seus fundadores foi Quincy Jones, produtor, entre outros programas, do show que lançaria como ator o jovem rapper Will Smith.

Com o passar dos anos, uma presidência negra e a expansão das classes médias e média-alta entre a comunidade afro-americana (concomitante a um aumento da pobreza dentro dela), veio a aparição do Black Lives Matter, o grupo mais amplo de protesto civil desde os Panteras Negras. Embora uma de suas metas principais seja acabar com a violência sofrida pelo coletivo de cor (termo que agrupa as diversas minorias não brancas), o #BLM pede igualdade para todos, em todos os campos. A transversalidade da sua organização, prática e ideologia lhe permite se adaptar às necessidades de cada momento e lugar, inspirando assim a resistência em múltiplas áreas. A campanha #OscarSoWhite, como resultado da concessão do Oscar de 2016 (e que rendeu seus frutos no ano seguinte), é o exemplo que vem ao caso. Chamou a atenção sobre a pouca diversidade dos ganhadores dos prêmios, resultante em grande parte da configuração da Academia, cujos integrantes continuam sendo predominantemente homens brancos e de meia-idade, que não precisam prestar contas do número de filmes que veem. Um círculo fechado que já não reflete mais a realidade.
A cada ano concorrem mais produções afro-americanas, já que cresce o número de atores que depois de trabalhar em Hollywood se tornam produtores. Na última edição do Oscar, os afro-americanos levaram os prêmios de melhor ator e atriz coadjuvantes, melhor documentário, O. J. Simpson, e melhor filme, Moonlight – uma entre as várias produções negras: Loving, Estrelas Além do Tempo, Um Limite Entre Nós (admirável adaptação de uma peça teatral do premiadíssimo August Wilson), O Nascimento de Uma Nação (que revira as premissas da obra de Grfiffith...). Todos esses filmes ultrapassaram a famosa linha da cor, e espera-se que as recompensas não sejam afinal gestos simbólicos sem continuidade.

Com campos abundantemente férteis (literatura, cinema, televisão), uma presidência nas costas, uma multidão de professores universitários, poder econômico e uma poderosa história praticamente desconhecida e que pode ser contada de um ponto de vista diferente do oficial, estranho seria que “o negro” não suscitasse interesse. Se Entre o Mundo e Eu, carta-libro que Ta-nehisi Coates escreve a seu filho, teve tanta repercussão nos EUA, é porque existe uma situação de violência racial com uma configuração diferente, mas tão considerável quanto era quando James Baldwin escreveu Carta a Meu Sobrinho em 1962. A ampla acolhida de I Am Not Your Negro, o documentário que o haitiano Raoul Peck fez a partir de textos de Baldwin, demonstra a atualidade de suas palavras.

Se Paul Beatty ganhou o último Man Booker é porque já tinha nos deslumbrado com The White Boy Shuffle em 1996 e porque pertence a uma corrente literária, a satírica, que remonta a George Schuyler (Black No More, 1931) e que tem a representantes como Ishmael Reed (Mumbo Jumbo, 1972) e Darius James (Negrophobia, 1992). Colson Whitehead, que com Underground Railroad ganhou o Pulitzer e o National Book Award, seria um bom exemplo e o mais recente (há outros) de que, se a história interessa quando é contada sob um ponto de vista acadêmico, interessa ainda mais ao ser atualizada por seus protagonistas. Escolhido como livro do mês no programa televisivo da poderosa comunicadora Oprah Winfrey, reinterpreta a história do caminho secreto trilhado por escravos fugitivos, entre eles Frederick Douglass, William Wells Brown e Harriet Tubman, que será primeira mulher norte-americana a ter seu rosto impresso nas cédulas do dólar, uma nota de 20 que será lançada em breve. O romance evoca não só a situação da negritude durante a escravidão, mas também a atual. E já se fala na versão filmada, que seria dirigida por Barry Jenkins, o realizador de Moonlight.

Teju Cole (que teve seu Cidade Aberta traduzido ao português), Chimamanda Ngozi Adichie (Americanah) e a guineano-americana Yaa Gyasi, ganhadora do PEN com seu romance histórico O Caminho de Casa, são representantes da nova onda de escritores que não participam do passado comum afro-americano, a escravidão, já que eles ou seus pais nasceram na África. Trata-se de criadores que injetam pontos de vista novos, originais e críticos. Não só oferecem uma perspectiva diferente, como também podem, a exemplo de Gyasi, contar a negritude a partir do outro lado do oceano e ter uma visão mais panorâmica e desapegada do caminho seguido pelos africanos capturados e levados de um continente a outro.

A língua e a literatura se expandem e se renovam com cada grupo que entra no mainstream (judeus, italianos e hispânicos são outros casos). Mas o que tem a ver a cadência enlouquecida da corrente neohoodoo com a poética de Toni Morrison, as frases que soam como um murro de Chester Himes com a prosa deslizante de Terry McMillan? Cada grupo fornece seu tom e seus fraseados particulares, que provêm da “outra” língua, a do país de origem de seus pais (espanhol, italiano, alemão ou iídiche). O caso dos negros norte-americanos é diferente, porque essa outra língua é o inglês. Um inglês que foi ganhando forma à margem do ensino acadêmico, e que, portanto, se revestia de modismos muito diferentes. Nos anos setenta, chegou-se à decisão de que a maneira negra de falar constituía uma língua diferente, chamada Black English, ou Ebonics. Na Universidade de Berkeley, a escritora June Jordan abriu uma oficina onde se estabeleceram as regras, existentes, mas não registradas, desse idioma falado por quase 40 milhões de norte-americanos. Como disse Walter Mosley, criador do detetive Easy Rawlins: “Quase todos os negros são bilíngues”.


LEITURAS
The Sellout. Paul Beatty (Farrar, Straus and Giroux)
The Underground Railroad. Colson Whitehead (Doubleday)
O Caminho de Casa. Yaa Gyasi. (Rocco, em junho de 2017)
Entre o Mundo e Eu. Ta-nehisi Coates (Objetiva, 2015)
Una História de la Conciencia. Angela Davis. (Biblioteca Afro-Americana de Madri / Ediciones del Oriente y del Mediterrâneo, 2016)
Americanah. Chimamanda Ngozi Adichie (Companhia das Letras, 2014)
The New Jim Crow. Michelle Alexander (Boitempo, no prelo)
Cidade Aberta. Teju Cole (Companhia das Letras, 2012)
Technical Difficulties. June Jordan (Pantheon Books)
The American Evasion of Philosophy. Cornel West (The University of Wisconsin Press)


Mireia Sentís é diretora da Biblioteca Afro-Americana de Madri (BAAM).

sábado, 6 de maio de 2017

ALEXANDER DELARGE E SEUS DRUGUES NA DISTOPIA BRASIL


A Internet tem se tornado uma espécie de "terra devastada", um ambiente que nem Tolkien conseguiu imaginar. Talvez por não ser uma Terra Média, mas por se aproximar mais das ruas londrinas, que abrigam Alex DeLarge,  personagem do romance Laranja Mecânica (1962), de Anthony Burgess, levado ao cinema pelas mãos de Stanley Kubrick. 

Há muita coisa boa na rede, mas também há muito ódio sendo destilado. A Internet, infelizmente, está cheia de Alex DeLarge, o que, muitas vezes, dificulta que assuntos importantes sejam discutidos de maneira aprofundadamente séria, sem agressões, ameaças ou pautados pelo palavrório "nadsat", pobre e vulgar.

A mais recente vítima dessas " ruas de Londres" foi Elika Takimoto, que, no texto abaixo, explica a razão para estar deixando, por tempo indeterminado, o Facebook. Reproduzimos aqui o texto "Até um dia, Facebook", disponível no blog da autora. 





Alex DeLarge



Do blog de Elika Takimoto



Há tempos escrevo sobre tudo o que me toca da forma mais sincera possível. Não tenho vergonha de falar de minhas fraquezas, de meus medos, de meus devaneios sejam eles de que natureza forem e muito menos penso duas vezes antes de pedir desculpas por algo que tenha feito. Não raro, sou criticada e gosto quando isso acontece porque me vejo refletindo sobre meus valores. Crescemos sempre no embate, no diálogo, na divergência.

Muitas pessoas não se expõem por aqui para não ter que discutir. Não sou dessas como podem ver. Falo sobre política, educação, maternidade, sociedade, separação, escrevo sobre como é morar no subúrbio carioca, escancaro a minha dor sem freios. Sempre fui assim desde que me entendo por gente.

Como já disseram, sou uma “subcelebridade” na internet. Para quem não sabe, esse boom no meu perfil ocorreu no ano passado por postagens de cunho bem diferentes terem viralizado: vídeo de minha filha cantando para vacas, foto dos meus filhos no Aniversário Guanabara, texto relatando a minha experiência com coletor menstrual, anúncio de meu filho Hideo,… e o polêmico texto sobre cotas escrito há um ano (repostado ontem no facebook) que é o motivo dessa minha fala agora aqui.

O texto sobre cotas me apareceu como “lembrança do facebook”. Como acontece com inúmeros deles, apenas dei o famoso control C control V para quem não tivesse lido, caso quisesse, dar uma olhada. Lembro-me que, no ano passado, recebi mensagens de todo o Brasil por ele. Pessoas que haviam sido (ou ainda eram) cotistas estavam me agradecendo emocionadas pelo relato que eu havia feito. Por recordar as mensagens de carinho que havia recebido e por entender que ele seria algo bom para a comunidade, resolvi publicá-lo em meu feed mais uma vez. Se tivesse, na época, recebido uma só crítica de um negro se sentindo mal com a postagem, podem ter certeza que não teria republicado esse texto. Não foi o caso. Os elogios e agradecimentos tinham vindo deles e por causa do texto fiz amigos cujas vozes são importantíssimas no movimento negro. Sim. Muitos que me elogiaram podem ser cegos, não descarto essa possibilidade.

Qual foi minha surpresa que dessa vez a minha vida virou de cabeça para baixo. Levei um susto com a quantidade de pessoas me agredindo e as ameaças que recebi. Fui acusada de ser racista e ter sido completamente infeliz nas palavras. Inicialmente, como sempre digo, se o oprimido diz que sofreu um preconceito e foi agredido, ele tem sempre razão. Não existe mimimi. Não existe vitimismo. O mundo não está ficando chato. O mundo está melhorando isso sim. E isso tudo que aconteceu serviu como grande aprendizado, pois, fui acusada pela primeira vez de opressora. Perguntei-me: onde fui racista? Eu? Racista?! Já sabendo de pronto que sim, vale observar. Tinha sido racista já que há negros que se sentiram ofendidos. Essa é a regra.

Li o texto. Reli. Li comentários. Muitos xingamentos, muitas agressões.

A minha reação é ficar desesperada olhando para o que fiz e questionando onde errei e porque despertei esse sentimento ruim nas pessoas se tomo sempre o maior cuidado para fazer o contrário. Para muitas que vieram até me ofendendo, eu pedi para que, por favor, me ajudassem a melhorar. O que falei que feriu tanto para que nunca mais eu faça de novo?, perguntei para um tanto de gente hoje, pois, juro, não entendi o motivo pelo qual estavam querendo meu fígado.

Nada como o diálogo.

Não vou me ater aqui a dissecar do texto e a comentar frases que recortaram, colaram em fotos minhas e divulgaram em páginas e sites por aí. Sei que com isso, minha integridade física já foi ameaçada, corro risco de vida, pois, conhecem bem meu rosto (como fizeram questão de expor) e esses que fizeram isso querem mesmo a minha morte seja ela real seja metafórica. As duas são possíveis e se temo a primeira é porque sou mãe de três e filha de duas pessoas para as quais dou total assistência. O fato de ter virado conhecida pouco me importa ao contrário do que muitos (que não me conhecem) pensam. Coisas imprevisíveis que acontecem na internet… Por mim, ficaria falando só para meus amigos como sempre fiz. “Printando meus próprios tweets” para eles somente no intuito de compartilhar ideias e brincar – como muitos sabem que gosto demais de fazer.

A única coisa que sempre sonhei foi ter meus livros publicados e só. Isso não escondo de ninguém. Mais do que isso para quê? Acabou que hoje tenho quase 150 mil seguidores, fato que foge a minha compreensão e ao meu controle. Quando penso nesse número me dá até calafrios. E, por tentar sublimá-lo e acreditar sempre que escrevo para meia dúzia de leitores, não tomo cuidados que hoje, aprendi, preciso estar atenta.

Isso posto e voltando ao foco da postagem, gostaria de agradecer a todos pelas críticas que me fizeram. Entendi que, a despeito de não ter sido a intenção, o texto que pretendia narrar a desconstrução de um preconceito, ainda assim, foi infeliz e opressor, principalmente, na forma.

Relendo a partir das críticas recebidas, percebi o quanto é difícil viver em uma sociedade estruturalmente racista. Eu estava crente que (como muitos me fizeram crer na primeira vez que o texto foi publicado) tinha feito um serviço bacana narrando tudo o que passei. Qual o quê. Close erradíssimo. Vocês estão certíssimos em terem me chamado a atenção.

A única coisa que gostaria de pontuar é que o fato de eu ter estranhado ver negros em minha sala de aula (como narrado o texto) não foi por incômodo com a raça ou cor e sim por ter visto que algo diferente estava acontecendo. No mais, a narrativa peca por ter dado a impressão que eu acredito que, se não fosse pela ajuda dos colegas brancos, os cotistas não dariam conta, além de eu ter reforçado esteriótipos que só dificultam a inclusão e os colocam como seres fora do padrão. Entendi perfeitamente isso e concordei de pronto com a crítica.

Não inventei nada do que foi escrito, queria observar. Tudo aconteceu. Não teria motivos para inventar nada. Autopromoção, crescer em cima da desgraça alheia, aparecer como salvadora… nada disso me passou pela cabeça. Quando o texto foi publicado pela primeira vez, praticamente, foi só para amigos e conhecidos que sabem que a minha intenção jamais seria essa, digo, aparecer. Queria apenas compartilhar com aquele texto (que excluí para frear as ameaças que ando recebendo e a pedido da comunidade negra – e não por covardia como já me acusam) que quebrei a minha cara por ter pensado inicialmente que não daríamos conta daquele novo perfil de alunos que nunca dantes na história do Cefet havíamos tido.

Não menti. O texto fala (de forma infeliz ok) da desconstrução (não completa como vários observaram muito bem) de um preconceito de classe e de como tive que me reinventar como professora para dar conta da diversidade de vários níveis. E tive mesmo. Não vou esconder isso. Não por ser “iluminada”, “boazinha”, “princesa isabel” como me chamaram ironicamente. Mas porque outra realidade se apresentou e que não fazia ideia de como lidar com ela e fiz um esforço danado para aprender. E continuo me esforçando para ser a melhor professora para meus alunos. Há muito o que preciso assimilar ainda, como viram. Que bom que seja assim, penso eu… que horror seria se não tivesse mais nada a melhorar.

Hoje, em minhas palestras e em minhas falas, defendo que as cotas deveriam ser obrigatórias por lei em escolas particulares também, pois vi o quanto é somado quando trabalhamos no plural. Não sou tão ruim quanto pensam ao meu respeito. Entre o quente e o frio há graduações de morno. Seria bom não ver o mundo de forma tão dicotômica, acho eu…

Se meu relato reforçou a colonização, como observaram, peço milhões de desculpas, pois quero estar ao lado de quem a questiona e não do lado de quem a defende. Por favor, não me excluam dessa luta.

Prometo me policiar muito mais na minha fala, na minha escrita e a rever sempre meus (pre)conceitos.

Mais uma vez, a todos que contribuíram para tanta reflexão, muito obrigada. E a todos que se sentiram ofendidos, perdão.

Segue o barco com todos dentro.

Publiquei esse texto me retratando publicamente. As ameaças, incrivelmente, pioraram depois que o escrevi. Por motivo de segurança (já que meu contra cheque, meu CPF e endereço foram publicados junto com a foto do meu rosto com a legenda “racista!”) e por precisar digerir tanto ódio sem afetar a minha saúde, desabilitei a minha conta por tempo indeterminado.
Preciso me fortalecer.
Obrigada a todos que permaneceram ao meu lado e não atiraram pedras.
Em tempo, se quiserem continuar lendo meus novos textos, basta assinar o Blog. Na barra lateral direita tem um espaço para isso. Sempre que postar um texto novo, vocês serão notificados.


Aqui é a minha casa. Sejam bem vindos.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

WADIH DAMOUS ESCREVE SOBRE "USEFUL IDIOTS" E OUTROS SERES


O Brasil vive um delicado momento, que requer a atenção de todos aqueles que nutrem esperanças de que essa terra ainda possa vir a ser um lugar de paz, solidariedade e respeito. Claro está que isso se distancia cada vez mais. Contudo, o debate precisa se dá sem as amarras, as meias-verdades ou "fake news" que pululam país afora.

Nesse sentido, consideramos bastante relevantes as considerações feitas por Wadih Damous, publicadas no site Brasil 247, as quais reproduzimos aqui. O artigo de Damous chama-se: "A soltura de José Dirceu e o jogo das aparências".

Do Brasil 247


Eis o texto:


O golpe parlamentar transformou o Brasil num país sem lei. A cada dia novas notícias deprimentes nos assolam. Quando não são os nove sem-terra chacinados em Colniza (MT), são três manifestantes do MTST que são presos por motivo fútil, mantida a prisão para deleite de uma magistrada aparentemente militante dos celerados que ajudaram destituir uma Presidenta eleita com 54 milhões de votos. Quando não são índios Gamela atacados por fazendeiros sanguinários que lhes decepam as mãos, é Mateus assaltado covardemente por um capitão da PM de Goiás, que lhe afundou o crânio com uma cacetada tão forte que quebrou o cassete. E tudo se passa sem uma palavra de condolência, de conforto dos atores golpistas instalados no governo federal; sem uma promessa de providências do procurador-geral da República, preocupado demais com a ideia fi xa de “combate” à corrupção. Parece que as instituições estão de férias, deixando o descalabro correr solto.


Segurança jurídica? O que é isso? Depois que um juiz de piso - como gosta de dizer o meu amigo Eugenio Aragão -  da provincial Curitiba se arrogou poderes de subverter o devido processo legal ao jogar para a plateia ao invés de jurisdicionar, pode se esperar tudo. As demais instâncias, seja por razões de comodismo, seja por conivência ou seja por pusilanimidade, sacramentaram largamente as práticas "excepcionais" para "tempos excepcionais". Quatorze reclamações disciplinares contra o juiz de Curitiba foram arquivadas no CNJ. Ele tudo pode. Até mesmo tornar públicas interceptações realizadas em comunicação telefônica que não interessavam ao processo, somente para destruir as reputações dos interlocutores. Ficou por isso mesmo. O juiz virou um popstar. E nenhuma pecha nele gruda.
Isso, claro, enquanto o magistradinho estava se limitando a dar suas caneladas na turma do PT. Todos o festejavam e batiam palmas para maluco dançar. E enquanto palmas se batiam, maluco dançava feliz.
Com a divulgação precipitada das delações de Emílio Odebrecht e de Leo Pinheiro, contudo, parece que a bonança acabou em Curitiba. As palmas parecem querer silenciar. Ao menos as mais entusiasmadas delas, as palmas institucionais. Não que a divulgação tenha obedecido à mesma dinâmica perversa das publicidades anteriores, com timing calculado para destruir toda e qualquer chance de sobrevida política de atores do PT. Desta vez, a ostentação das delações escapou como um salve-se quem puder. Os relatos eram de um vulto tal, que não tinham como ser mantidos longe da curiosidade pública por muito tempo. Tornaram-nos públicos para salvar a cara do ministério público, já no fim do segundo e provavelmente último mandato de seu chefe. Não havia como esconder tanta sujeira por debaixo do tapete, sem que seu sucessor n&ati lde;o fosse obrigado a expor eventual omissão.



Só que os novos delatados, pertencentes ao seleto clube das classes dominantes brasileiras, não poderiam receber o mesmo tratamento da ralé de esquerda. A sangria tinha que ser estancada, ainda que, para tanto, as instâncias omissas ou coniventes agora se apropriassem do discurso crítico ao carnaval judicial curitibano. Antes tidas como coisa de juristas esquerdistas e blogueiros de pouco eco, as críticas agora passariam a fazer parte do repertório do magistrado supremo porta-voz da elite política e financeira: Moro estaria agindo arbitrariamente ao manter longas prisões processuais com escopo de moer a resistência de potenciais delatores; essa prática, agora mereceria a mais veemente reprimenda da corte suprema.

Às favas com a coerência. Para tornar a mudança de ventos mais assimilável pelos críticos costumeiros do carnaval curitibano, resolveu-se começar por José Dirceu, como boi de piranha. Assim, pensou-se, calariam aqueles que enxergassem oportunismo e seletividade na atitude dos magistrados inovadores.


Não que José Dirceu não merecesse, por justiça, a ordem de habeas corpus que colocasse fim ao longo cárcere decretado por capricho do ministério público e do juiz de piso. Só que o merecia já muito antes, condenado que foi com pífia prova de reforço a suposições sem lastro da acusação, apenas para perpetuar o seu calvário político. Não, soltá-lo nada tem de errado. Errado é esperar tanto tempo para lhe garantir a liberdade que nunca deveria ter sido surrupiada. É saber que seu cárcere apenas obedecia à lógica da extorsão de delação para comprometer alvos políticos certeiros, como o PT e Lula, e nada ter-se feito por tanto tempo. Escandaloso é determinar a soltura de José Dirceu somente para garantir um precedente que possa aproveitar outros ameaçados por Curitiba que pertençam ao clube dos intocáveis.

Fez-se Justiça a José Dirceu, ainda que por aberratio ictus, por erro quanto à pessoa, pois quem se quis beneficiar nada tem a ver com ele.


E assim anda a carruagem de nosso estado de direito destroçado. Ninguém se preocupa com a aplicação da lei para todos. Preocupam-se em passar a mão na cabeça de alguns, ainda que para isso tenham que, a contragosto, beneficiar outros como sacrifício necessário para manter as aparências.



Enquanto isso, esperneiam os Dallagnois da vida, porque, coitados, até hoje não haviam entendido como a orquestra toca. Finalmente aprenderam a duras penas que foram "useful idiots", poupados nas suas extravagâncias tão e só porque ajudaram com o trabalho sujo de solapar o processo político democrático; mas que não pensem que podem continuar tocando terror no País, porque, agora, os jogadores são outros. E saberão punir exemplarmente qualquer insolência advinda da burocracia privilegiada do ministério público e da justiça de primeiro grau. Que se cuidem e não se metam a besta. Temer não é Dilma e Gilmar não é Lewandowski, só para lembrar...


Wadih Damous é deputado federal pelo PT/RJ e ex-presidente da OAB/RJ.