Três historiadores redescobrem em Lisboa a declaração do jovem marinheiro da nau ‘Victoria’ capturado por portugueses, revelando dados até então desconhecidos.

Em 5 de fevereiro de 1522, o jovem Martín de Ayamonte e o soldado Bartolomé de Saldaña abandonaram “sem ser sentidos” a nau Victoria na ilha de Timor, onde estava ancorada. Desertaram porque temiam morrer na tentativa de dar a volta ao mundo. Esconderam-se na selva esperando uma oportunidade de voltar às Molucas, onde estava sendo consertada outra das naus da expedição, a Trinidad. Ayamonte queria se reunir com um familiar que viajava nesta embarcação e que ia voltar para a Espanha não pelo oeste, como a Victoria, mas sim pelo leste, em direção ao México.

A declaração de Ayamonte contém “um relato de suma importância da expedição, por vir de um de seus tripulantes e pela quantidade e qualidade das informações fornecidas”, explica Mazón. “A história da expedição já não poderá ser contada sem esse documento, no qual, por exemplo, soubemos pela primeira vez que Juan Sebastián de Elcano fez prevalecer seu critério para a escolha do caminho de volta, contrariando a posição de seus principais oficiais”.
Segundo o depoimento de Ayamonte, a tripulação da Victoria desejava voltar para a Espanha costeando os territórios portugueses do Pacífico, mas Elcano rejeitou a ideia, alegando que podiam ser capturados e que as monções não seriam favoráveis. Impôs seu critério com determinação. “Contra a opinião geral, afastou-se da costa porque entendia perfeitamente o ciclo das monções, o que permitiu que desse a volta ao mundo.”
O relato do grumete revela, além disso, como na Batalha de Mactan, onde morreu Fernão de Magalhães, os indígenas colocaram armadilhas com estacas para espetar os espanhóis. Aponta também o lugar de origem de alguns tripulantes, como o capitão da nau Santiago, Juan Serrano (conhecido também pelo nome português de João Serrão), que era da localidade espanhola de Fregenal de la Sierra, na Estremadura, ou Juan de Cartagena, confirmando que era natural de Burgos, na Espanha.
“Não sabemos o que aconteceu com o grumete”, afirma Mazón. Só se conhecem as últimas palavras dele que foram registradas ao responder às perguntas do capitão português que o interrogou, Jorge de Albuquerque: “E a nau [Victoria], quando partiu de Timor [sem ele nem Saldaña], acionava a bomba doze vezes de dia e doze vezes de noite, e o mestre e o piloto, que eram gregos, queriam vir por Malaca [território português], e o capitão [Elcano], que era vizcaíno [na verdade, era natural de Guetaria, na província de Guipúscoa, no País Basco], não quis, e a intenção deles era ir às ilhas Maldivas para corrigir [consertar] sua nau, e dali seguiriam seu caminho para essas partes [Espanha]. E não diz mais nada”.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/05/cultura/1572951676_240875.html
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