Em carta, artistas, intelectuais, economistas e
juristas denunciam “os abusos e ilegalidades de um processo cruel, conduzido
com parcialidade e objetivos políticos”
Somos
brasileiras e brasileiros de diversas origens, atividades e convicções, unidos
por uma comunhão de valores: democracia, justiça e respeito aos direitos
humanos. Neste momento grave na história de nosso país, consideramos nosso
dever chamar a atenção da sociedade brasileira e da comunidade internacional
para a grande injustiça que vem sendo cometida contra um líder que encarna
aqueles valores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por
entender que a prisão de Lula atinge o cerne da cidadania, do estado de direito
e da verdadeira justiça no Brasil, apoiamos e divulgamos este documento que
denuncia os abusos e ilegalidades de um processo cruel, conduzido com
parcialidade e objetivos políticos. E como não há nada oculto que não venha a
ser revelado, está nas mãos do Supremo Tribunal Federal corrigir esse erro,
para restabelecer a verdade e proporcionar a pacificação democrática do país.
Celso
Amorim, diplomata; Chico Buarque de Hollanda, compositor; Dalmo de Abreu
Dallari, jurista; Kleber Mendonça Filho, cineasta; Leonardo Boff, teólogo; Luiz
Carlos Bresser-Pereira, economista; Maria da Conceição Tavares, economista;
Maria Victoria Benevides, socióloga; Marilena Chauí, filósofa; Paulo Sergio
Pinheiro, cientista político; Raduan Nassar, escritor; Rogério Cezar de
Cerqueira Leite, físico; Sebastião Salgado, fotógrafo.
Lula preso, corruptos soltos:
a farsa da Lava Jato
Em
dezembro de 2015, tão logo foi iniciado o processo de impeachment de Dilma
Rousseff, a Operação Lava Jato dirigiu seus esforços para condenar e prender o
ex-presidente Lula, contando com a sistemática colaboração da grande mídia.
Daquele momento em que Sergio Moro começou a espionar o ex-presidente até
agosto de 2016, o Jornal Nacional da TV Globo deu 13 horas de notícias contra
Lula, 4 minutos por noite, segundo o Laboratório de Estudos de Mídia da UERJ.
Assim o país foi preparado para a denúncia do PowerPoint de Deltan Dallagnol,
que viria em setembro. Foi a maior campanha jamais vista contra um líder
brasileiro, precedendo a prisão injusta e a cassação da candidatura de Lula em
2018.
Nunca
é demais lembrar que Dallagnol denunciou Lula sabendo que o tríplex não era
dele; que não havia fatos para acusar, só as “convicções” dos procuradores e
uma notícia de jornal velha e falsa. E que Sergio Moro nem poderia ter julgado
Lula, pois admitiu no processo não haver relação entre a reforma do imóvel e os
contratos suspeitos que atraíam os casos da Petrobrás para a Vara de Curitiba.
Lula foi condenado por “atos indeterminados”, ou seja, porque o juiz queria
assim e porque, mesmo sem provas, o réu já havia sido sentenciado nas manchetes
e na TV.
Lula
perdeu a liberdade e o Brasil desencontrou a paz. A sociedade brasileira foi
envenenada pelo ódio político, inoculado nas redes sociais, na imprensa, nos
templos, escolas e quartéis. Intolerância e desprezo se ergueram contra toda
tentativa de duvidar da Lava Jato e seus métodos, de divergir do discurso
dominante até mesmo nos meios acadêmicos. A prisão de Lula virou dogma da
cruzada “moral” que também condenou a visão política, social e econômica que seu
governo representou: soberania nacional, justiça social e crescimento com
inclusão. Era para marcar o fim de uma era.
Mas
hoje é impossível não reconhecer que Lula merecia um julgamento justo e não a
farsa judicial armada para prendê-lo. E hoje está claro que, ao contrário de
enfrentar a impunidade e a corrupção, a Lava Jato corrompeu-se, corrompeu o
sistema judicial e o processo eleitoral, mentiu ao país e aos tribunais, deixou
impunes dezenas de criminosos confessos que Sérgio Moro perdoou e que continuam
muito ricos. As prisões espetaculares, ao vivo na TV, criaram na população uma
inédita sensação de justiça que, no entanto, era desfeita sem alarde no balcão
de negócios das delações bem premiadas.
Sérgio
Moro comandou cada passo da perseguição ao adversário político tratado por ele
como inimigo a ser abatido, contrariando as leis e o Estatuto da Magistratura
que dizem como deve se portar um juiz imparcial. Com o incentivo e a cobertura
da mídia para cometer abusos e ilegalidades, Moro chefiou a força-tarefa do
Ministério Público Federal no Paraná e as ações truculentas da Polícia Federal.
Foi policial e acusador de um caso em que sequer poderia ter sido juiz.
Todas
as violações e crimes cometidos contra Lula foram denunciados por sua defesa,
mas sistematicamente censurados pela Globo. Cúmplices, contaminados ou
intimidados, os grandes da mídia jamais deram uma versão equilibrada do que
está nos autos do processo, nem mesmo quando, em outubro de 2016, o Comitê de
Direitos Humanos da ONU aceitou preliminarmente a denúncia de perseguição
judicial no Brasil contra Lula, o que transformou a Lava Jato num caso
internacional de lawfare.
O
muro de silêncio sobre a parcialidade do ex-juiz só começou a ruir quando
Sérgio Moro largou a carreira para ser ministro de Bolsonaro, o presidente que
ele ajudou a eleger quando condenou o líder das pesquisas eleitorais. Ali
ficaram evidentes a motivação e o alinhamento político do ex-juiz ao candidato
que montou a indústria de mentiras contra Lula e o candidato do PT, usando dinheiro
sujo que o ministro Moro varre para debaixo do tapete ao invés de mandar
investigar.
A
partir de 9 junho de 2019, quando o site The Intercept Brasil começou a
divulgar as mensagens secretas do telegram de Deltan Dallagnol para Moro e os
procuradores de Curitiba, Brasília, São Paulo e Rio, os crimes da Lava Jato
foram expostos ao público de maneira vergonhosa para o Ministério Público e o
sistema judicial brasileiro. A imprensa mundial cessou os elogios que sempre
fizera à Lava Jato e passou a denunciar a as fraudes e abusos cometidos contra
Lula.
Apesar
da censura no Jornal Nacional às notícias sobre as mensagens e do esforço para
criminalizar a “ Vaza Jato”, 53% das pessoas souberam das conversas secretas de
Moro e Dallagnol, segundo o instituto Vox Populi. A comunidade jurídica
nacional e internacional repudiou o conluio ilegal entre juiz e promotores, que
forjaram acusações, prenderam para intimidar, grampearam advogados e a
presidenta da República, manipularam vazamentos, ocultaram provas, mentiram
para a Suprema Corte, zombaram da lei e até do luto de Lula.
Não
há mais como esconder tantos abusos. Por isso, dobram a aposta na mentira, até
para influir no julgamento de ações que sequer dizem respeito diretamente a
Lula, mas ao princípio constitucional da presunção da inocência. É falso, por
exemplo, afirmar que milhares de criminosos seriam soltos porque a Constituição
garante a todos o direito de recorrer em liberdade. A lei já determina a prisão
cautelar de quem de fato ameaça a sociedade. Só não é nem poderia ser uma regra
automática, tem de ser fundamentada em cada caso pelo juiz.
Não
foram os recursos de “advogados caros” nos tribunais superiores os responsáveis
por soltar, até agora, pelo menos 120 dos 159 condenados na Lava Jato. Foi
Sergio Moro e foram seus procuradores que promoveram tamanha injustiça, ao
negociar acordos de impunidade com corruptos confessos, vendendo até o perdão
que a lei não autoriza, em troca de qualquer palavra que lhes servisse, mesmo
falsamente, para incriminar Lula. Foi Moro quem libertou, pela segunda vez, o
doleiro Alberto Youssef, condenado a 122 anos por corrupção e lavagem de
dinheiro, que já voltou a operar na bolsa.
Hoje
não é mais possível protelar o julgamento pelo STF do habeas corpus em que a
defesa de Lula requer a anulação da sentença de Moro e o direito do
ex-presidente ao julgamento justo que ele não teve. A defesa demonstrou e a
Vaza Jato escancarou que Moro foi parcial contra Lula desde o início do
processo, assim como os procuradores. Por isso, renova-se a pressão sobre o
STF, de forma a partidarizar uma decisão que deve ser tomada à luz da lei e dos
autos unicamente.
Em
abril de 2018, uma pressão absurda envolveu até o alto comando do Exército e
resultou numa estranha decisão, em que o STF negou habeas corpus a Lula, apesar
de a maioria dos ministros entender que ele tinha, como todo cidadão, direito
de recorrer em liberdade. Em setembro, mecanismo semelhante foi acionado para
fazer o Tribunal Superior Eleitoral desacatar a determinação da ONU que garantia
a Lula o direito de ser candidato, mesmo estando preso. Rasgaram a lei
eleitoral e o Pacto Internacional dobre Direitos Civis e Políticos, assinado e
ratificado soberanamente pelo Brasil.
Chega!
O Estado de direito democrático não pode ser tutelado por pressões nem tolerar
exceções que discriminem um único cidadão. Não há nada na Constituição dizendo
que ela vale para todos, exceto os que se chamem Luiz Inácio Lula da Silva.
Existe um só Código Penal Brasileiro; não pode haver um Código Penal do Lula,
ou só para o Lula nem contra o Lula. O Brasil e a democracia já pagam altíssimo
preço pela prisão ilegal do ex-presidente e a cassação de sua cidadania. Só a
vingança política, o ódio cego e a insensibilidade fria podem prolongar uma
injustiça que perdura desde 7 de abril de 2018.
Quatro
anos depois do início da caçada a Lula, quem está hoje no banco dos réus é
Sergio Moro, que enganou o país, violou a lei, perdoou milionários corruptos e
condenou centenas de milhares de trabalhadores ao desemprego; são os
procuradores de Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot, que usaram a Lava Jato para
obter fama, poder e fortuna, que entregaram a Petrobras aos interesses dos
Estados Unidos, num crime de lesa-pátria e num suborno judicial que renderia
milhões a uma fundação privada sob seu controle, não fosse a reação indignada
da sociedade e a tempestiva intervenção do STF. Foram eles que levaram a
Petrobras ao banco dos réus em Nova Iorque, sangrando a estatal em 4,8 bilhões
de dólares.
São
estes fatos que exigem a reflexão da sociedade, a mobilização da cidadania e a
ação da Suprema Corte, guardiã da Constituição. Por mais poderosos que sejam os
interesses contrariados, políticos e econômicos, o país precisa reencontrar a
plenitude do estado de direito para restabelecer as bases do diálogo
democrático, que não pode excluir nenhuma corrente ou liderança política, seja
pelo arbítrio, seja pela intimidação ou por qualquer forma de injustiça. Chega!
Lula merece justiça e o Brasil precisa de paz.
Brasil, 6 de novembro de 2019.
Disponível em: https://fpabramo.org.br/2019/11/07/justica-para-lula-paz-para-o-brasil/