18/10/2019
Por Adriana Brandão
O fotógrafo brasileiro
Sebastião Salgado é um dos convidados de destaque da Feira do Livro de
Frankfurt, que acontece neste momento. Neste domingo (20), ele recebe o Prêmio
da Paz concedido pelo setor editorial alemão que é uma das principais
recompensas culturais da Alemanha. Nesta entrevista exclusiva à RFI, em
Frankfurt, ele fala de seu trabalho e engajamento ecológico. Salgado diz temer
fotografar um mundo em extinção se não tomarmos cuidado e revela ter esperanças
que Bolsonaro possa mudar e se “transformar em um aliado de proteção da
Amazônia”.
Sebastião Salgado é o primeiro fotógrafo a receber o
Prêmio da Paz do Comércio Livreiro alemão. Ele foi escolhido por seu trabalho
que promove justiça e paz social, além disso de alertar, com suas fotos em
preto e branco, para a necessidade de se preservar a natureza. Leia abaixo a
entrevista completa:
Qual a foi a sua reação com
mais esta recompensa?
“Eu fiquei muito surpreso de receber esta recompensa por
que eu sou o primeiro fotógrafo que recebê-la. Ela existe desde o final dos
anos 40 e foi dada a políticos, cientistas, escritores. Estou muito honrado.”
Um reconhecimento da fotografia
como linguagem?
“A fotografia é uma linguagem e uma linguagem muito
poderosa. Das linguagens de comunicação, somente a fotografia e a música podem
ser transmitidas sem tradução. O que você escreve em fotografia no Brasil, por
um brasileiro, pode ser lido na China, no Japão, sem nenhuma tradução. A
linguagem da imagem é uma linguagem direta e muito compreensível.”
Você está sendo recompensado
tanto pela estética quanto por seu engajamento social e ecológico?
“Sim. Pela estética porque a minha linguagem é
profundamente estética por que eu trabalho com o quadro, eu escrevo com a luz.
O engajamento social, eu acho que ele é importante e está tendo um certo
reconhecimento.”
Você teve que adaptar sua
estética ao longo dos anos, desde quando começou a fotografar na África no
início dos anos 1970 até as fotografias da natureza, dos locais preservados do
planeta?
“Não. Eu acho que se você misturar minhas fotografias do
início dos anos 70 e com as de agora, você não vê muita diferença. Cada
fotógrafo trabalha com a sua herança global, que é a sua ideologia, sua
história, de onde ele veio, sua família, sua comunidade de origem. Misturando
tudo isso, você forma uma personalidade, uma maneira de ver e você fotografa
assim a sua vida inteira.”
Ao atribuir o prêmio, a
Federação do Comércio Livreiro Alemão ressaltou também o Instituto Terra que
você criou, em 1998, com sua esposa, Lélia Wanick Salgado. Vocês reflorestaram
uma área degradada e criaram um reserva natural em Aimorés. Por que sentiu
necessidade de passar à ação?
“Eu não tive uma necessidade, foi um pouco casual a
criação do Instituto Terra. Meus pais ficaram velhos e tiveram a ideia de
transferir a fazenda que tinham para a Lélia e para mim. E a Lélia teve a
ideia de replantar uma floresta por que a terra estava tão degradada e morta
como toda a terra da nossa região do vale do Rio Doce no Brasil. E ai nós nos
aproximamos da natureza. Até então, eu não tinha uma maior preocupação
ecológica. Claro que eu nasci na natureza, vivi na natureza e a maioria das
minhas fotografias são ligadas da natureza. Mas foi só a partir deste momento
que nós nos dedicamos a natureza e hoje, a natureza é uma das coisas mais
importantes que existe na nossa vida.”
Você está terminando seu novo
projeto sobre a Amazônia, fotografando os índios da região, justamente neste
momento de crise provocada pelos incêndios na floresta. Você teme estar fotografando
um mundo em extinção?
“Se a gente não tomar cuidado, será um mundo em extinção,
mas se a gente tomar cuidado, se a comunidade internacional, todos os
brasileiros juntos acordarem, a Amazônia pode ser protegida. Além dela ser
importantíssima pela distribuição da umidade no mundo, ela contém um terço de
todas as águas doces do planeta. Ela tem que ser preservada. Nós podemos ter
outra opção econômica para a Amazônia do que a economia predatória que está
sendo imposta à região.
Nós podemos ter uma economia mil vezes mais inteligente,
podemos criar o maior espaço turístico do planeta, podemos criar o maior
provedor de alimentos biológicos, podemos prover a indústria farmacêutica do
planeta inteiro, permitindo que as comunidades locais participem desse processo.
A Amazônia tem a vantagem imensa de ter uma população de mais de 25 milhões de
pessoas, que é quase a população do Canadá. A maioria dos habitantes é de
ribeirinhos que falam bem a língua portuguesa e necessitam de uma melhor
penetração econômica.
As fazendas de soja, de gado, não empregam ninguém. Elas
só são predatórias. Elas não levam a nenhum futuro da Amazônia. Só a porção de
floresta que estamos destruindo vale muito mais do que tudo que uma fazenda de
soja ou de gado pode gerar em sua história. Nós podemos obter desse espaço
amazônico um retorno econômico muitíssimas vezes maior do que nós estamos
obtendo hoje destruindo a Amazônia.”
Isso é possível com o atual
governo brasileiro?
“Ê difícil por que a proposta básica com a qual foi
eleito o presidente do Brasil é uma proposta puramente predatória. Mas as
pessoas podem evoluir. O senhor Bolsonaro pode mudar de opinião. Ele pode se
transformar em um aliado de proteção da Amazônia. Por que não? Ele é um homem
que tem um poder imenso. Ele foi eleito democraticamente pela maioria dos
brasileiros. Eu tenho uma grande esperança que ele se transforme numa pessoa
que tenha uma preocupação com o futuro da humanidade, porque depredando,
propondo uma economia de destruição, ele está contribuindo de uma maneira
brutal para o aquecimento global, para a destruição de todas as concentrações
de gelo do mundo. Isso vai elevar rapidamente o nível de água dos oceanos, o
que vai levar a destruição de uma grande parte da costa brasileira.”
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