Correspondente da BBC na Índia
5 de novembro de 2017
Disponível em http://www.bbc.com/portuguese/internacional-41840429
Quando Ganesh Devy, um
ex-professor de inglês, se aventurou a buscar as línguas existentes na Índia,
esperava encontrar algo parecido com um cemitério de idiomas, repleto de
línguas nativas mortas ou em vias de extinção.
Ele se deparou, no
entanto, com uma "floresta densa de vozes", como ele mesmo descreve,
uma estrondosa Torre de Babel, em um dos países mais populosos do mundo.
Descobriu, por exemplo,
que há pelo menos 16 línguas faladas no Estado de Himachal Pradesh, na região
do Himalaia. Só para a palavra "neve" há 200 formas diferentes -
algumas bem descritivas, como "flocos que caem na água" ou
"flocos que caem quando a lua está lá em cima".
Ele também encontrou
comunidades nômades no deserto de Rajasthan, no oeste do país, que usavam uma
grande quantidade de palavras para se referir à paisagem árida, chegando a
descrever como os homens e animais a vivenciavam.
Outra descoberta foi que
os nômades falam uma língua "secreta" devido ao estigma que carregam.
Eles já foram considerados "tribos criminosas" pelos ingleses e agora
sobrevivem vendendo mapas nos sinais de trânsito da capital Nova Deli.
Em dezenas de aldeias de
Maharashtra, não muito longe de Mumbai, na costa oeste do país, Devy se
deparou, inclusive, com pessoas falando um português antigo.
Em sua jornada, Devy
identificou ainda um grupo de pessoas, no arquipélago de Andamão e Nicobar, que
fala karen, uma língua étnica de Mianmar, além de índios do estado de Gujarat
que falam japonês.
Segundo ele, os indianos
usam cerca de 125 idiomas estrangeiros como se fosse sua língua materna.
Devy é um linguista
autodidata que ensinou inglês em uma universidade de Gujarat por 16 anos. Em
seguida, foi viver em uma aldeia remota, onde trabalhou com as tribos. Ajudou
os nativos a terem acesso a crédito, a administrar bancos de sementes e
projetos de saúde. Além disso, publicou uma revista em 11 línguas tribais.
Epifania
Foi por volta dessa época
que começou a epifania de Devy em relação ao poder da linguagem.
Em 1998, ele levou a uma
aldeia tribal 700 cópias de sua revista, escrita na língua local. Deixou os
exemplares em uma cesta para quem quisesse ou tivesse como pagar 10 rupias (US$
0,15) por uma cópia. No fim do dia, todas as revistas tinham desaparecido.
Quando voltou, Devy
encontrou várias notas de dinheiro "sujas, amassadas, encharcadas" na
cesta, deixadas pelos moradores da aldeia.
"Era provavelmente o
primeiro material impresso na língua deles que tinham visto na vida. Eram
trabalhadores que pagaram por algo que sequer conseguiriam ler. Me dei conta do
poder e orgulho primordial da língua", conta.
Há sete anos, Devy lançou seu ambicioso
projeto Pesquisa Linguística do Povo da Índia (PLSI, na sigla em inglês), um
levantamento nacional das línguas indianas e de como as pessoas as percebem.
O "caçador de
línguas" realizou 300 viagens em 18 meses para todos os cantos da Índia. E
financiou a jornada com o dinheiro que ganhou dando aulas. Ele viajou dia e
noite, revisitando alguns estados até 10 vezes e manteve religiosamente um
diário.
Também criou uma rede de voluntários que
contava com cerca de 3,5 mil estudiosos, professores, ativistas, motoristas de
ônibus e nômades que viajavam às partes mais remotas do país.
Entre eles, estava o
motorista de um burocrata do estado de Orissa, no leste do país, que anotava em
um diário as palavras novas que ouvia durante a jornada.
Os voluntários
entrevistavam as pessoas e registravam a história e a geografia de suas
línguas. Além disso, pediam aos locais para "desenhar seus próprios
mapas" do alcance de suas línguas.
"As pessoas
desenharam mapas em forma de flores, triângulos ou círculos. Os mapas são uma
representação do alcance imaginário de suas línguas", afirma.
Até 2011, o levantamento
de Devy havia contabilizado 780 línguas, quase metade das 1.652 registradas
pelo censo do governo em 1961. Já foram publicados 39 livros dos 100 planejados
sobre os resultados da pesquisa.
Línguas 'mortas'
A Índia acabou perdendo
centenas de línguas por falta de apoio do governo, pela redução do número de
pessoas que falam os idiomas, pela educação primária fraca em línguas locais e
devido à emigração de tribos de suas aldeias nativas.
A morte de uma língua é
sempre uma tragédia cultural e marca o desaparecimento de todo o conjunto de
conhecimentos, fábulas, histórias, jogos e músicas de um povo.
Mas Devy alerta que as preocupações vão além.
O partido do governo, o nacionalista BJP, se esforça para impor o hindu em todo
território indiano, o que ele classifica como um "ataque direto à nossa
pluralidade linguística".
Ele se pergunta como as
megacidades conseguirão lidar com a diversidade linguística diante dessas
políticas chauvinistas.
"Me sinto mal cada
vez que uma língua morre. Mas sofremos perdas piores de diversidade, como as
variedades de peixes ou de arroz", afirma.
"Nossas línguas
sobreviveram por serem teimosas. Somos uma democracia linguística. Para manter
nossa democracia viva, temos que manter nossas línguas vivas", acrescenta.
A espantosa variedade de
línguas na Índia
- O censo de 1961 registrou a
existência de 1.652 línguas na Índia
- A Pesquisa Linguística do Povo da
Índia, conduzida por Devy, contabilizou 780
- 197 delas estão ameaçadas, sendo 42
em estado crítico, segundo a Unesco
- São 68 alfabetos em uso
- O país publica jornais em 35 línguas
- O hindu é a língua mais usada, falada
por 40% da população. Em seguida, vêm bengali (8%), telugu (7%), marathi
(6,9%) e tamil (5,9%).
Fonte: Censo da Índia,
Unesco
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