quarta-feira, 15 de março de 2017

O DISCURSO DE MERYL STREEP NO GLOBO DE OURO


Em épocas de  "pós-verdade", "verdades alternativas" e outros seres medonhos; muitos discursos estão sendo jogados por terra, ignorados e  vilipendiados por serem discursos indesejáveis aos ouvidos das castas dominantes mundo afora. Nesse contexto, a chegada ao poder de políticos respaldados por discursos extremistas já se mostra como grande preocupação e ameaça aos direitos civis no século XXI. Como forma de enfrentamento do monstro em crescimento (já vimos no que isso deu na década de 40), a palavra, como forma de resistência, precisa ser exercitada cada vez mais.

 Spivak (2014) pergunta: "Pode o subalterno falar?". Certamente que sim. Contudo, muitos projetos políticos em curso objetivam a sujeição e o silêncio dos mais pobres e das minorias; bem como de todos aqueles que se opõem ao rolo compressor do sistema de exclusão imposto pelo poderio econômico mundial. Consciente da necessidade de se combater ações desse tipo ( e consciente da própria função do artista), a atriz Meryl Streep tem sido uma das vozes a desafiar o coro dos contentes da discriminação, do preconceito e do atraso.

Abaixo, o discurso que a atriz proferiu na cerimônia do Globo de Ouro, de 2017.

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Muito obrigada, muito obrigada. Sentem-se, por favor. Obrigada. Amo vocês. Vocês vão ter que me desculpar. Perdi a voz gritando e me lamentando no fim de semana. E perdi a cabeça em algum momento neste ano. Então terei que ler.

Obrigada à Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood. Para seguir linha do que disse Hugh Laurie, nós, todos os presentes, pertencemos a um segmento vilipendiado da população. Pensem nisso: Hollywood. Estrangeiros. E a imprensa. Mas quem somos nós? O que é Hollywood? É um grupo de gente que vem de todas as partes. Eu nasci, cresci e me eduquei nas escolas públicas de Nova Jersey. Viola [Davis] nasceu numa cabana da Carolina do Sul e cresceu em Central Falls, Long Island. Sarah Paulson nasceu na Flórida e foi criada por sua mãe solteira no Brooklyn. Sarah Jessica Parker era uma de sete ou oito filhos em Ohio. Amy Adams nasceu na Itália, e Natalie Portman, em Jerusalém. Onde estão suas certidões de nascimento? E a linda Ruth Negga nasceu na Etiópia, cresceu em Londres. Não, na Irlanda, me parece. Está aqui indicada por fazer o papel de uma garota de um povoado da Virgínia. Ryan Gosling, como todas as pessoas mais amáveis, é canadense. E Dev Patel nasceu no Quênia, cresceu em Londres e está aqui por fazer o papel de um indiano que vive na Tasmânia…

De modo que Hollywood está cheia de estrangeiros e forasteiros, e se querem expulsar todos nós vão ficar sem nada para ver além de futebol americano e artes marciais mistas, que NÃO são artes… Me deram três segundos para dizer isto… O único trabalho de um ator é entrar na vida de pessoas que são diferentes de nós e deixar você sentir como é isso. E houve neste ano muitas atuações poderosas que conseguiram justamente isso. Um trabalho assombroso e feito com compaixão.

Mas houve uma atuação neste ano que me impactou, que mexeu com o meu coração. Não por ter sido boa, não tinha nada de boa, mas era eficaz e funcionou. Fez a plateia a que se destinava rir e mostrar os dentes. Foi aquele momento em que a pessoa que pedia para se sentar na cadeira mais respeitável do nosso país imitou um repórter deficiente. Alguém a quem ele superava em termos de privilégio, poder e capacidade de se defender. Isso me partiu o coração. Ainda não consigo tirar aquilo da cabeça, porque não era um filme. Era a vida real.

E esse instinto de humilhar, quando modelado por alguém na plataforma pública, por alguém poderoso, se filtra na vida de todo mundo, porque de certa forma dá permissão para que outras pessoas façam o mesmo. Desrespeito atrai desrespeito. A violência incita a mais violência. Quando os poderosos usam sua posição para abusar de outros, todos perdemos…

Isto me leva à imprensa. Precisamos que a imprensa com princípios exija responsabilidade do poder, que o chame às falas por cada atrocidade que cometer. Por isso, os fundadores do nosso país protegeram a imprensa e suas liberdades na Constituição. Assim, só quero pedir à rica Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood e a todos que pertencemos a esta comunidade que se unam a mim no apoio ao comitê para a proteção dos jornalistas. Porque vamos precisar deles daqui por diante. E eles vão precisar de nos para salvaguardar a verdade.
Só mais uma coisa. Certa vez, eu estava parada num set de filmagem me queixando de alguma coisa, horas extras, algo assim. Tommy Lee Jones me disse: “Não é um privilégio, Meryl, simplesmente ser ator?”. Sim, é mesmo. E precisamos recordar uns aos outros sobre o privilégio e a responsabilidade do ato da empatia. Devemos estar orgulhosos do trabalho que Hollywood homenageia nesta noite.

Como minha querida amiga, a recém-falecida Princesa Leia, me disse certa vez: “Pegue seu coração partido e o transforme em arte”. Obrigada.

Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/09/cultura/1483935921_665878.html


Meryl Streep discursa no Globo de Ouro, de 2017



NO ORIGINAL 

Please sit down. Thank you. I love you all. You’ll have to forgive me. I’ve lost my voice in screaming and lamentation this weekend. And I have lost my mind sometime earlier this year, so I have to read.
Thank you, Hollywood Foreign Press. Just to pick up on what Hugh Laurie said: You and all of us in this room really belong to the most vilified segments in American society right now. Think about it: Hollywood, foreigners and the press.
But who are we, and what is Hollywood anyway? It’s just a bunch of people from other places. I was born and raised and educated in the public schools of New Jersey. Viola was born in a sharecropper’s cabin in South Carolina, came up in Central Falls, Rhode Island; Sarah Paulson was born in Florida, raised by a single mom in Brooklyn. Sarah Jessica Parker was one of seven or eight kids in Ohio. Amy Adams was born in Vicenza, Italy. And Natalie Portman was born in Jerusalem. Where are their birth certificates? And the beautiful Ruth Negga was born in Addis Ababa, Ethiopia, raised in London — no, in Ireland I do believe, and she’s here nominated for playing a girl in small-town Virginia.
Ryan Gosling, like all of the nicest people, is Canadian, and Dev Patel was born in Kenya, raised in London, and is here playing an Indian raised in Tasmania. So Hollywood is crawling with outsiders and foreigners. And if we kick them all out you’ll have nothing to watch but football and mixed martial arts, which are not the arts.
They gave me three seconds to say this, so: An actor’s only job is to enter the lives of people who are different from us, and let you feel what that feels like. And there were many, many, many powerful performances this year that did exactly that. Breathtaking, compassionate work.
But there was one performance this year that stunned me. It sank its hooks in my heart. Not because it was good; there was nothing good about it. But it was effective and it did its job. It made its intended audience laugh, and show their teeth. It was that moment when the person asking to sit in the most respected seat in our country imitated a disabled reporter. Someone he outranked in privilege, power and the capacity to fight back. It kind of broke my heart when I saw it, and I still can’t get it out of my head, because it wasn’t in a movie. It was real life. And this instinct to humiliate, when it’s modeled by someone in the public platform, by someone powerful, it filters down into everybody’s life, because it kinda gives permission for other people to do the same thing. Disrespect invites disrespect, violence incites violence. And when the powerful use their position to bully others we all lose. O.K., go on with it.
O.K., this brings me to the press. We need the principled press to hold power to account, to call him on the carpet for every outrage. That’s why our founders enshrined the press and its freedoms in the Constitution. So I only ask the famously well-heeled Hollywood Foreign Press and all of us in our community to join me in supporting the Committee to Protect Journalists, because we’re gonna need them going forward, and they’ll need us to safeguard the truth.
One more thing: Once, when I was standing around on the set one day, whining about something — you know we were gonna work through supper or the long hours or whatever, Tommy Lee Jones said to me, “Isn’t it such a privilege, Meryl, just to be an actor?” Yeah, it is, and we have to remind each other of the privilege and the responsibility of the act of empathy. We should all be proud of the work Hollywood honors here tonight.

As my friend, the dear departed Princess Leia, said to me once, take your broken heart, make it into art.

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