terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A ARTE DE COLECIONAR ARTE - A COLEÇÃO AIRTON QUEIROZ EM EXPOSIÇÃO

Está em exposição no Espaço Cultural UNIFOR, da Universidade de Fortaleza, a exposição “Coleção Airton Queiroz”. São aproximadamente duas centenas de obras de arte, com trabalhos do século XVII até obras de alguns dos mais relevantes aristas contemporâneos.

Do século XVII, por exemplo, é possível apreciar trabalhos raríssimos de artistas como Albert Eckhout e Frans Post. A escultura “Santo bispo”, em madeira dourada e policromada, do mestre Aleijadinho, é o item da coleção que representa o século XVIII. Das obras da coleção, datadas do século XIX, estão em exposição trabalhos, entre outros, de Debret, Rugendas, Pedro Américo, Victor Meirelles, Benedito Calixto, Eliseu Visconti e Raimundo Cela (o qual não deveria estar inserido no século XIX, quando sua principal produção se dá no século XX). Uma vez que o trabalho de Raimundo Cela tem atraído para si novos olhares e novas compreensões, destacamos as obras desse artista presentes na Coleção Airton Queiroz. São elas: “Moça bordando (Retrato de Áurea Cela), de 1932; “Jangadeiro com leme” (1942) e “Estivadores” (1947). E embora o catálogo da exposição não traga; sabemos pelo livro Coleção Airton Queiroz (2016), que a referida coleção contém ainda as obras “Feira em Saint – Agreve, França” (1921), “Praia em Camocim, Ceará” (1937), “Jangadeiros empurrando jangada para o mar” (1940) e “Estudo para Abolição da escravatura no Ceará”, de 1937.

Paisagem de neve (1957), de Antonio Bandeira.
O Modernismo brasileiro se faz presente na referida exposição, desde seus primeiros momentos, com obras como “Floresta” (1912), de Lasar Segall e “Mulher de cabelo verde” (1915-1916), óleo sobre tela de Anita Malfatti, que estampa tanto a capa do catálogo, quanto o livro da Coleção. Há, assim, autores representativos de todo o período modernista brasileiro, incluindo não somente a pintura (Tarsila do Amaral, Djanira, Cícero Dias, Guignard, Volpi, Portinari,  Di Cavalcanti, Iberê Camargo, Ismael Nery etc), mas esculturas de artistas como Victor Brecheret, Bruno Giorgi, Alfredo Ceschiatti e Maria Martins, por exemplo.

A exposição traz ainda obras de vários artistas estrangeiros, entre europeus (Monet, Matisse, Chagall, Moore, Miró, Max Ernst, Rubens, Renoir e Dalí etc) e latino-americanos (Quin, Diego Rivera, Botero, Torres-Garcia, León Ferraria e Omar Rayo). O destaque da presença estrangeira na exposição, a nosso ver, recai sobre Chagall, Diego Rivera e Fernando Botero; pela quantidade e qualidade das peças expostas.

 Sobre a arte moderna brasileira, a exposição contém peças “catalogadas” sob a temática “Abstração”, sob a qual estão albergados os artistas ligados aos grupos Atelier Abstração, Grupo Ruptura e Concretismo, Grupo Frente e Neoconcretismo, Abstração Informal, Arte Cinética e Artistas geométricos não vinculados a grupos; somando ao todo vinte e cinco artistas. Entre tantas obras, chamamos a atenção para os trabalhos de Samson Flexor, Lygia Clark, Amilcar de Castro, Lygia Pape, Antonio Bandeira, Sérvulo Esmeraldo, Tomie Ohtake e Manabu Mabe. No que concerne à arte contemporânea produzida no Brasil, a exposição conta com trabalho de artistas como Tunga, Jorge Guinle, Leda Catunda, Vik Muniz, Beatriz Milhazes, Adriana Varejão e Leonilson.


Prometheus II ou Brûlant de ce qu'il brûle (1948), de Maria Martins
A coleção Airton Queiroz começou a ser reunida, conforme o próprio colecionador, cerca de cinquenta anos atrás (conforme catálogo da exposição, p. 5) e leva em consideração não apenas o gosto pessoal da família que a mantém, mas o valor histórico e cultural cunhado em cada uma das peças que a constitui. Assim sendo, trata-se de uma oportunidade única, para se apreciar a valiosa (em todos os sentidos) coleção, pois como afirma Queiroz (2016:5): “esperamos que seja apreciada por todos os interessados em conhecer as presentes obras. Estas que, ao retornarem à nossa casa, lá permanecerão”. 

Então, tá dito. Aproveitemos a oportunidade!


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Serviço: em cartaz até o dia 19/02/2017  
Local: Espaço Cultural UNIFOR
Campus da Universidade de Fortaleza / UNIFOR
Fortaleza/ Ceará
http://www.unifor.br

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

SAVONAROLA E OS BANDOS DE (DES)ESPERANÇA NO ARQUIPÉLAGO WAQ

Dizem as “más línguas”, que Girolamo Savonarola voltou a assombrar as psicodélicas terras do  arquipélago Waq. Na ausência de um Lorenzo de Médici, o velho padre ameaça voltar sua oratória demolidora contra tudo e contra todos (na verdade, apenas contra alguns). Sua intenção, bastante clara, é se destacar em meio à mediocridade que tem imperado em terras nas quais o rinoceronte tem se mostrado muito mais decente do que o mais fino dos burgueses.

Passados tanto anos, no entanto, Savonarola não mudou praticamente nada. No seu pensamento extremista, insiste em acreditar que todos aqueles que não se dobrarem ao poder das suas palavras, normas e leis; estarão vivendo em pecado, restando-lhes nada mais, nada menos do que o castigo divino, mesmo que tal castigo venha pela pena da lei dos homens, não importando como. Savonarola tem dessas coisas. Não sabe, o pobre diabo, que a fogueira das vaidades que acendeu, e na qual vive e se glorifica (e o exaltam), em breve se transformará em chamas verdadeiras, como teria profetizado um certo oráculo; pois tudo isso já teria sido comprovado pelo velho Lucas Landucci, que nada deixava escapar aos seus bem treinados olhos, tendo deixado centenas de manuscritos a respeito de tão delicado assunto.


Savonarola surgiu da imensidão do seu nada e, de repente, não mais que de repente, começou a arrastar multidões (há sempre muita gente querendo seguir, não importa quem) dispostas a acreditar piamente no que dizia. Não precisava prometer muito, afinal havia sido escolhido (O Escolhido) pelo próprio Deus para livrar aquele povo do vicio da corrupção na qual chafurdara até então. Concluída sua missão, aquela terra de gente ignorante e subdesenvolvida se mostraria mais gloriosa do que qualquer um daqueles seus vizinhos barbarianos. Para tanto, Savonarola não consideraria nenhuma forma de Constituição. Sua palavra era a lei, e todos a ela estariam submetidos. Aqueles que ousassem questioná-lo seriam condenados por “obstrução à justiça”, a sua justiça.

Uma olhada rápida nos manuscritos deixados por Landucci nos mostra o quanto o referido frade impactou não apenas o way of life, mas também o modus operandi de muitos jovens do seu período histórico, instaurando um “novo” tempo. Um tempo de delação premiada dos pecados, de piedade e de “boas” obras. Os resquícios do que um dia fora a justiça, agora já se esvaneciam. Nem sinal das borboletas azuis.

Na página 3069, do segundo caderno dos diários manuscritos de Lucas Landucci, é possível observar o que anotara o velho boticário sobre as decisões de Savonarola para os próximos carnavais. Para ele, havia, sim, pecado do lado de baixo daquele miserável arquipélago. E era preciso exterminá-lo o quanto antes. Assim, após arregimentar milhares de seguidores, Savonarola os denominou de “bandos de esperança” e os mandou para as ruas, becos e vielas, com o intuito de divulgar e defender sua história única. 

Entre tantos grupos, ganhou certo destaque o MAWL, ou seja, o Movimento Arquipélago Waq Livre; uma espécie de movimento político chapa branca, reconhecido por sua ignorância política, "especializado" em derrubar governos por meio de iniciativas golpistas financiadas pelo capital empresarial. Na verdade, são vermes acreditando serem reis.

Amparados pela visão sempre parcial de Têmis, esses grupos se sentem à vontade para agredir poetas nas ruas, desocupar à força espaços públicos ocupados pelo povo, bem como conduzir sob vara os opositores. Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei! Teriam dito eles, do alto da sua falsa legitimidade enquanto “vigilantes da moral”. Dura lex, sed lex! Cumpra-se! O contrário? A blasfêmia. E a pena? A execração pública, o degredo, e a prisão. Curioso é que o próprio ministro das comunicações de  Waq teria afirmado que as prisões no arquipélago seriam verdadeiras masmorras medievais. Um exagero, provavelmente! 

Savonarola e seus bandos de (des)esperança estão nas ruas e não tardam a passar nas nossas casas, recolhendo tudo aquilo que for considerado por eles como “vaidades”, e que atentem contra a família, a moral e os bons costumes. Assim, nossos livros, quadros e instrumentos musicais serão levados e queimados na “fogueira das vaidades”. 

Depois serão nossos amigos. 

Nossos filhos também desaparecerão para sempre. 

E então seremos nós. 

E então já terá sido tarde demais.